São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2000


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CRÍTICA

Jim Carrey reconstrói o comediante Andy

AMIR LABAKI
da Equipe de Articulistas

Fora dos EUA, onde seu personagem central gozou de certa celebridade, "O Mundo de Andy" mais ganha que perde. Perde pois esvai-se parte da identificação cultural, sobretudo para aqueles que testemunharam a meteórica carreira do comediante nada ortodoxo Andy Kaufman (1949-1984), morto precocemente por câncer. Ganha pois ainda mais abstrato e misterioso torna-se seu retrato fílmico agora dirigido por Milos Forman ("Amadeus").
Kaufman deve sua fama principalmente à televisão, apesar de trabalhar contra todas as convenções. Aos assinantes de TV a cabo (Multishow), ainda é possível vê-lo como o surreal mecânico Latka Gravas nas reprises do seriado "Táxi". Olhos esbugalhados, testa alta, sorriso de Mona Lisa, Kaufman incomodava. Incomodar, aliás, era talvez sua maior arte.
Andy fez carreira apostando no desequilíbrio da relação tradicional entre artista e platéia. Seu objetivo maior não era extrair gargalhadas, mas sorrisos nervosos.
"O Mundo de Andy" é particularmente feliz na escolha dos esquetes que sumarizam a arte de Andy Kaufman. O primeiro deles, realizado para o tradicional "Saturday Night Live", marca sua descoberta pelo grande público americano.
Andy e uma vitrola ocupam o palco. Rosto e corpo transmitem tensão e insegurança, enquanto toca a música-tema dos desenhos de Supermouse.
Na hora do estribilho, "here I am to save the day" (aqui estou para salvar o dia), seu rosto se ilumina e ouve-se sua voz a plenos pulmões. Finda a frase, volta-se ao desconforto inicial.
Noutra cena, Kaufman diverte-se em confundir a audiência quanto à identidade de seu alter ego Tony Clifton, um gorducho fanho e grosseirão, desenvolvido em parceria com Bob Zmuda (Paul Giamatti).
No auge da carreira, eis Andy radicalizando no humor politicamente incorreto ao declarar-se "Campeão da Luta Mista" e desafiar mulheres a derrotá-lo.
A piada esticou-se por anos, até enfurecer o lutador profissional Jerry Lawler, que lhe aplicou sopapos no ringue e fora dele, defronte às câmeras do programa de David Letterman. Tanto Lawler quanto Letterman reencenam charmosamente para Forman o encontro original.
A grande sacada do filme é jamais procurar explicar Andy. O belo roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski lembra nisso o estupendo trabalho anterior da dupla na recriação de Ed Wood para Tim Burton.
Nada há da costumeira diluição hollywoodiana de Freud. A isolada cena de Andy quando criança, em que seu pai o admoesta por estar fechado no quarto reencenando para as paredes seu próprio teleshow, é apenas a primeira pedra num mosaico que procura reconstituir Kaufman mas jamais interpretá-lo.
Tanto é assim que o filme começa e termina com Andy abordando diretamente a nós na platéia. "O Mundo de Andy" afirma-se como recriação fílmica da realidade, transferindo para a experiência cinematográfica a ruptura do pacto tradicional entre performance e público que caracterizava a arte de Kaufman.
Andy no filme, todos sabem, é Jim Carrey. O crítico americano Roger Ebert definiu seu desempenho como "heróico" e é impossível dizer melhor. Carrey encarna Kaufman na interpretação mais generosa de toda sua carreira.
Em vários sentidos, Andy foi o anti-Jim. O primeiro era pálido, intelectual, preciso, autodestrutivo. O segundo não poderia ser mais colorido, físico, exagerado e bem-sucedido.
Aparências mimetizam-se. Com sentimentos não é tão fácil. Repare no olhar de Jim Carrey. Lembre-se dele em qualquer outro filme. O desafio tornou-o outro homem. Talvez seja mais uma de Tony Clifton.


Avaliação:     


Filme: O Mundo de Andy (Man on the Moon)
Produção: EUA, 1999
Direção: Milos Forman
Com: Jim Carrey, Danny DeVito, Courtney Love Quando: a partir de hoje, nos cines ABC Plaza Shopping 1, Butantã 1 e circuito


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