São Paulo, sábado, 05 de maio de 2001

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HISTÓRIA

O agitador Sílvio Romero

REYNALDO JARDIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma introdução à "Introdução à Doutrina contra Doutrina", de Sílvio Romero, presume-se que escrita pelo "organizador" da edição Alberto Venâncio Filho, pois não está assinada, dá conta, com precisão, da vida do historiador brasileiro e resume o espírito do livro.
Trata-se de um trabalho sobre a política brasileira nos primeiros tempos da República, publicado em 1894 e reeditado em 1895.
O país ainda tentava recompor-se do trauma institucional causado pela queda da monarquia e o advento da República. Surgiram os primeiros partidos políticos numa capenguice ideológica ainda não sanada.
Casuísmo, interesses sectários e pessoais, irracionalismo, desinteresse real pelo destino das populações ainda perduram.
Um tanto panfletário, o autor parece estar num palanque vociferando apaixonadamente contra fatos e idéias dominantes. Perde a serenidade de historiador e prejudica suas análises sociológicas.
As constatações e críticas adjetivas deixam-se levar pelo seu ânimo belicoso, polêmico, militante. Não consideremos inteiramente negativos esses fatores.
É um testemunho vivo e participante de quem viveu e vivenciou o capítulo conturbado da transição monarquia-república.
As mazelas daqueles idos e vividos atravessaram séculos e aí estão em sua maioria bem ostensivas: a desigualdade de classes e raças; o papel intervencionista das Forças Armadas (que o autor louva, mas não as quer no jogo político civil); a falta de consistência dos partidos políticos; a pobreza nacional; escritores, sem editores; as péssimas condições sociais do povo brasileiro.
Sílvio Romero gasta muito papel para esclarecer as calúnias orais "ditas à socapa nos conciliábulos dos sectários, à luz privada das confabulações irresponsáveis".
Esgota a paciência do leitor ao demonstrar o quanto é querido pelas Forças Armadas e o quanto as respeita.
O trabalho de Sílvio Romero ganha consistência ao expor as vísceras do positivismo, em sua ação nefasta.
A tentativa inglória de convencer d. Pedro 2º a se transformar em ditador republicano. A mesma investida é feita sobre o general Deodoro.
É estarrecedora a proposta de constituição formulada pelos positivistas: "O governo federal competirá a um ditador...".
Aos socialistas, Sílvio Romero, mesmo louvando a doutrina, mostra que um país sem classe operária não está em condições de adotar o sistema social igualitário. Temos baixa densidade populacional, não há um parque industrial, nosso comércio está engatinhando, a população é praticamente analfabeta, as capitais não passam de vilarejos e os municípios não podem ser considerados centros urbanos.
É impressionante que cenário paupérrimo e conturbado tenha gerado complexidades intelectuais e bem informadas como o próprio Sílvio Romero, Tobias Barreto, Rui Barbosa e o gênio Machado de Assis.
Naqueles tempos, como agora, o país merecia uma classe política à altura de seus artistas, pensadores e escritores.
Leia essa "Introdução à Doutrina contra Doutrina". É instigante e faz pensar.


Reynaldo Jardim é poeta e jornalista

Introdução à Doutrina contra Doutrina
    
Autor: Sílvio Romero
Organização: Alberto Venâncio Filho
Editora: Companhia das Letras - coleção Retratos do Brasil
Quanto: R$ 23 (176 págs.)




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