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LITERATURA
Lincoln Gordon lança "Brazil's Second Chance", em que também define as eleições de 2002 como cruciais ao país
Ex-embaixador dos EUA revê golpe de 64
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Lincoln Gordon, embaixador
norte-americano no Brasil entre
1961 e 1966, diz que faria duas coisas diferentes se pudesse voltar no
tempo e ao cargo. "Em 1962, não
teria sugerido à CIA financiar
campanhas de deputados brasileiros simpáticos aos EUA; em
1964, não teria apoiado entusiasticamente o golpe de 64 tão cedo,
apenas dois dias depois de sua deflagração, sem a confirmação de
que João Goulart havia deixado o
país e, portanto, o cargo."
Aos 87 anos, Gordon está finalmente lançando, nos EUA, seu
primeiro livro sobre o Brasil, editado pelo Instituto Brookings.
"Brazil's Second Chance: En Route toward the First World" ("A Segunda Chance do Brasil: A Caminho do Primeiro Mundo") era um
projeto antigo. Começou a ser escrito há 15 anos e foi interrompido durante os anos 80, durante a
chamada "década perdida".
Engana-se quem espera encontrar, nas 229 páginas da publicação, novidades sobre o envolvimento dos EUA no golpe. Nos
poucos trechos em que menciona
o assunto, o embaixador mantém
sua versão de sempre: os EUA desejavam o golpe, mas não sabiam
de sua data com antecipação,
muito menos o financiaram.
As duas coisas que Gordon faria
diferentemente tampouco são um
arrependimento, mas uma simples reflexão, quase protocolar,
feita durante entrevista à Folha
(elas não constam do livro).
Afinal de contas, o embaixador
continua achando que a deposição do presidente Goulart, a qual
testemunhou e aplaudiu, foi legítima (segundo Gordon, o golpe
teria sido preventivo: Jango pretendia perpetuar-se no poder por
meio de um autogolpe, similar ao
de Getúlio Vargas em 1937).
No entanto a reflexão de Gordon é relevante porque foi acompanhada de algumas revelações.
Uma delas é a de que o jornalista
Samuel Wainer, fundador do extinto diário "Última Hora" e amigo de Goulart, teria passado a
Gordon informações sobre o estado de espírito do presidente até
poucos meses antes do golpe.
"Wainer nunca me pediu nada,
mas acho que estava interessado
em garantir um asilo nos EUA se
as coisas dessem errado", disse
Gordon.
Mas o livro trata de outro assunto. Gordon veste a pele de economista e observador neutro para
refletir a história político-econômica do Brasil. O ex-embaixador
demarca as eleições de 2002 como
a segunda chance crucial do Brasil
recente: o ponto em que os brasileiros definirão se mantêm a diretriz do presidente FHC -e, sob
sua lógica, se entram no Primeiro
Mundo- ou se repetem vícios
antigos, os mesmos que fizeram o
país perder-se na primeira chance
(durante o governo JK).
Folha - Em seu livro, o sr. diz que
a instabilidade política no Brasil
tem sido um dos motivos que impediram a ascensão do país ao status
de país de primeira linha. O sr.
menciona o fato de só dois presidentes civis terem completado
seus mandatos desde 1950. Será
que o país não teria tido uma vida
democrática mais longa não fosse
o golpe apoiado pelo sr. e pelos
EUA?
Lincoln Gordon - A instabilidade
política na América Latina é uma
história antiga e não nasceu com
o golpe, embora o regime militar
tenha se perpetuado de forma danosa à democracia no país. Quando eu era embaixador, ou secretário de Estado assistente -agora
não me lembro mais-, um comitê do Legislativo nos pediu uma
lista com todos os golpes na América Latina desde a independência
de Portugal e da Espanha. É uma
lista deprimente. A Bolívia é o
pior caso. Durante décadas, teve
em média um golpe por ano. O
Brasil é um país relativamente estável. Durante o império, apenas
dois imperadores reinaram entre
1882 (Independência) e 1889
(Proclamação da República). Vários presidentes completaram
seus mandatos durante a primeira república.
Folha - O sr. elogia os esforços do
presidente Fernando Henrique
Cardoso para criar partidos com
ideologias claras. O sr. considera o
presidente um social-democrata?
Gordon - Quando o presidente
saiu do PMDB para criar o PSDB,
a essência da mudança foi criar
um partido com uma identidade
similar à dos países europeus de
centro-esquerda. Porém o PSDB
foi pego pela crise inflacionária,
que exigiu um duro controle fiscal
e corte de gastos. Os objetivos sociais típicos de um partido de centro-esquerda, do tipo europeu,
não puderam ser cumpridos. O
que vemos hoje -e vimos perto
das eleições de 1998- é um esforço de Cardoso para introduzir ao
menos alguns elementos sociais.
Folha - Quais elementos sociais o
sr. consegue ver no governo FHC?
Gordon - O ministro Paulo Renato (Educação) fez um trabalho
excelente com a ajuda do BID.
Folha - O sr. diz que o Brasil tem
uma opção a fazer entre o crescimento responsável e a tentação
populista. Como o sr. vê as esquerdas hoje? Lula, por exemplo?
Gordon - É uma personalidade
que se desenvolve. Hoje, ele já não
é o mesmo político de 13 anos
atrás, quando disputou a presidência com Fernando Collor de
Mello. Ele diz ter mudado. Mas
me preocupa muito a atuação do
PT no Congresso. O partido foi
contrário a todas as privatizações
e a projetos modernizantes.
Folha - O sr. é um democrata. Não
acha que o golpe militar de 1964
foi uma violência institucional?
Gordon - Sim, tudo indicava que
Goulart iria tomar uma decisão
extrema. Cerca de três meses antes do golpe, Samuel Wainer me
telefonou na embaixada dizendo
ter tido um encontro muito interessante com Jango e pedindo para me encontrar. Wainer relatou
que o presidente estava muito
nervoso, andando de um lado para o outro, como um tigre num
cativeiro, e dando socos em cima
de uma mesa. Ele dizia estar pressionado e ter três opções: ficar como um presidente fraco, renunciar ou tomar uma decisão extrema. Fiquei com a impressão de
que ele tentaria algo como um
golpe feito o de Getúlio em 1937.
Folha - Qual era a participação da
CIA no Brasil na época?
Gordon - Nossa preocupação era
descobrir a influência comunista.
Pegar informações sobre conexões com a URSS e com a China.
Geralmente o agente da CIA tinha
mais fluência em português e era
conhecido como um diplomata
nas cidades onde morava.
Folha - A CIA investigava Jango?
Gordon - Investigamos o número de fazendas que ele tinha. Acho
que umas cinco só no Sul. Nunca
achei que Jango fosse comunista.
Ele, na verdade, achava que podia
seguir os passos de Getúlio Vargas. Mas ele não era Getúlio.
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