São Paulo, sexta-feira, 05 de maio de 2006

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CRÍTICA/ "MISSÃO IMPOSSÍVEL 3"

Novo "Missão" radicaliza a fantasia

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Se filmes incentivassem comportamentos na relação direta e automática que muitos imaginam existir, haveria um "boom" de jovens interessados em matemática a partir do uso espetacular que Ethan Hunt (Tom Cruise) faz de equações complexas em "Missão Impossível 3", rabiscando freneticamente, no vidro de uma janela, cálculos que permitirão a ele executar entre arranha-céus de Xangai uma coreografia de fazer inveja ao Cirque du Soleil ou à Intrépida Trupe.
O domínio de geometria que Hunt demonstra ali se encaixa no perfil do superagente secreto norte-americano que, já desenhado nos dois primeiros filmes dessa franquia bem-sucedida, chega aqui a seu "state-of-the-art". Ele e sua equipe reúnem habilidades de diplomatas, hackers, acadêmicos, trapezistas e trambiqueiros. Para gente assim, o céu é o limite. Ao trabalhar com a idéia de que tudo lhes é possível, o terceiro episódio flerta de modo bem-humorado com a radicalização da fantasia no cinema de ação.
No terreno dos valores, há uma importante novidade: agora, Hunt quer ser um homem de família, decidido a se afastar das operações de campo para se dedicar ao casamento com uma jovem médica (Michelle Monaghan). A máquina de cumprir missões arriscadas adquire caráter humano, mas o sorriso de Cruise se transforma, ao longo do filme, em expressão de pavor, justamente porque os sonhos de vida pacata e burguesa correm o risco de se esfarelar.
Paranóia política e teoria da conspiração embaralham as cartas da trama, que elege um traficante internacional como o supervilão e razões secretas de Estado como pivôs de movimentações suspeitas. Philip Seymour Hoffman nem mesmo precisa se esforçar muito para dar conta do recado, optando por construir a maldade de forma minimalista: uma frase ameaçadora dita com modos suaves por um monstro com rosto de bebê crescido tende a parecer ainda mais terrível.
Pôr o ator de "Capote" com a voz de Cruise é uma das diversas ironias que J. J. Abrams (criador do seriado "Lost", em sua estréia como diretor de cinema) insere na ação. Na genealogia de "Missão: Impossível", seu episódio tem maior parentesco com o primeiro, dirigido por Brian de Palma, do que com o segundo, realizado por John Woo, sobretudo porque trabalha com referências mais diretas ao seriado homônimo de TV dos anos 60.
É bem verdade que Abrams trouxe da televisão uma idéia de como capturar a atenção do público muito diferente da que orientou De Palma. Nem bem começa o filme, por exemplo, e a tensão já se encontra no que parece ser o pico (coisa ainda pior virá). A partir daí, com o espectador alertado (e, supõe-se, fisgado), volta-se no tempo para explicar o que soa inexplicável, ou como a calmaria romântica em que Hunt procura se acomodar será substituída brevemente pelo inferno.
A noção de ritmo, para o bem e para o mal, é a de quem teme que a platéia mude de canal. Como parte da estratégia, Abrams também faz uso intenso do parque de diversões que uma superprodução de US$ 150 milhões proporciona. "Missão Impossível 3" adota, com sua overdose de estripulias e reviravoltas, postura pragmática de mercado, julgando que o consumidor espera mesmo tudo isso e que a sua satisfação, seja qual for o expediente, vem em primeiro lugar.
Missão Impossível 3
Mission: Impossible III
   
Direção: J.J. Abrams Produção: EUA, 2006 Com: Tom Cruise, Philip Seymour Hoffman, Michelle Monaghan Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Bristol, Central Plaza, Interlagos e circuito


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