São Paulo, terça-feira, 05 de maio de 2009

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NA REDE

Brincando com as palavras

Com referências literárias, o site Wordtoys recria de forma poética a experiência da escrita

NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Estamos ao mesmo tempo num mundo medieval, feito de mitos e mistérios; num mundo borgeano, costurando histórias inacabadas e com mentiras que parecem verdades e num mundo tecnológico, em que a Idade Média e Borges só podem acontecer por causa de botões.
A tecnologia é grande, mas surpreendentemente delicada. Como se não estivéssemos acionando teclas, mas tivéssemos voltado a usar a pena e o mata-borrão.
E a proposta do site Wordtoys (findelmundo.com.ar/wordtoys) faz coincidirem, como que por necessidade, possibilidades modernas oferecidas pelo computador com a nostalgia do artesanato.
Wordtoys são brinquedos de palavras. Mas são brinquedos literários e bibliotecários. O site é um livro-biblioteca, em que cada página convida o leitor a uma brincadeira diferente, todas absurdas e oníricas.
Na página "Escreve o Teu Próprio Quixote", surge uma tela branca e, independentemente do que o leitor digite, aparece o texto de Dom Quixote. Não haveria outra maneira de realizar o sonho possível e impossível de Borges, que não fosse por meio do computador.
Não há outra maneira não verbal de fazer com que uma pessoa sempre escreva o mesmo texto. E o efeito é tão ilusionista que, após algum tempo, nós nos sentimos como autores do texto, que agora deixou de ser de Cervantes.
Em "Por que a Senhorita Chao se Suicidou?", após contar a triste história de uma jovem chinesa que esfaqueia a si mesma no momento de ser levada ao casamento arranjado, o leitor depara com a pergunta e, no lugar de letras coloridas, ele é convidado a criar sua própria resposta para a pergunta.
Em um "Processador de Textos Rimbaudiano", após a leitura do poema "Voyelles" (Vogais), de Rimbaud, em que se comparam as vogais a cores, o leitor pode escrever seu próprio poema, que terá suas letras transformadas em diferentes cores, segundo estabelecido por Rimbaud.
Há uma coleção de mariposas-citações, porque, é claro, as mariposas se parecem com livros e, como dizia Galileu, a natureza inteira é um grande alfabeto; há poemas feitos de água (lembrando Joan Brossa), que escorrem quando se abre a torneira; há o idioma dos pássaros e os céus do sul, por onde passa um avião antigo.
Há o barulho das páginas virando, as páginas marmorizadas ou as iluminuras e o site da autora, Belén Gache, uma artista argentina (findelmundo.com.ar). A internet é, para quem quiser e souber, um mundo sem fim. As artes são, também para quem pode, o fim do mundo, o fim de um mundo, o mundo num lugar onde ficamos felizes em nos postar à beira do abismo.


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