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Análise/teatro
Mais do que peças, reflexões e ideias imortalizam Boal
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Há um consenso em
torno de Augusto
Boal. É a personalidade do teatro brasileiro mais conhecida internacionalmente,
com livros traduzidos para vários idiomas e seu nome inserido nas principais enciclopédias
teatrais. Se esse reconhecimento abrange a sua condição de
dramaturgo e encenador, foi
principalmente pelas suas
ideias e reflexões teóricas que
Boal se fez famoso.
Sua primeira contribuição
teórica relevante foi o "sistema
coringa", surgido nos anos 60
no Teatro de Arena. Boal partiu
das ideias de Bertolt Brecht,
particularmente do efeito de
estranhamento, em que se propõe ao ator uma distância de
seu personagem, para que possa ver criticamente suas ações e
permita ao público partilhar
esse olhar crítico.
Boal distanciou atores dos
personagens por meio do uso
coletivo dos papéis, com os
atuantes compartilhando a
mesma "máscara", ou característica social e psicológica.
Essa técnica foi utilizada pela
primeira vez em 1965, na encenação de "Arena Conta Zumbi", e aprimorou-se no espetáculo seguinte, "Arena Conta Tiradentes".
A "Poética" de Augusto Boal,
como a chamou Anatol Rosenfeld, foi publicada sob o título
"Elogio Fúnebre do Teatro
Brasileiro Visto da Perspectiva
do Arena". Rosenfeld apontou,
no ensaio crítico "Heróis e Coringas", a incompreensão por
Boal das teses de Brecht ao conceder aos protagonistas a empatia diante do público que recusava ao coro. Segundo Rosenfeld, mesmo reconhecendo
a importância "singular" do ensaio de Boal "no pensamento
estético brasileiro", essa opção
favorecia uma identificação
festiva do público com o herói,
no caso Tiradentes, e traía as
ideias de Brecht.
Com o livro "O Teatro do
Oprimido e Outras Políticas
Poéticas", de 1975, escrito no
exílio na Argentina, Boal produziu sua obra teórica mais influente. Ali, combinou técnicas
teatrais por ele criadas, como o
teatro invisível, o teatro jornal
e o teatro fórum, para mesclar a
ação teatral e a ação política
contra todas as formas de
opressão -econômica, familiar, racial ou religiosa.
Boal continuaria produzindo
livros que aprofundavam aquela ideia fundamental, de que
qualquer ser humano pode
atuar em favor da transformação de si e do mundo. Em um de
seus últimos ensaios, de 2006,
discutiu o teatro do oprimido
na perspectiva da sensibilidade
dos bebês.
O legado de Boal como pensador pode ser avaliado pelos
inúmeros grupos, no mundo
todo, que partem de seus exercícios e estratégias teatrais na
militância política e nas práticas de ensino e de ação cultural.
Muito menos que por suas peças e encenações, imortalizou-se pelos seus escritos.
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