São Paulo, terça-feira, 05 de junho de 2001

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ARNALDO JABOR

Golpistas querem provar que democracia é impossível

Diante do golpismo descarado que assola o país, eu te digo: se o projeto de reformas administrativas e técnicas que este governo tentou implantar não se concluir, se a sabotagem chamada "oposição" conseguir reverter a busca de um mínimo de racionalidade econômica, dentro de algum tempo, estaremos à beira de uma ruptura institucional, com a destruição dos fundamentos da economia e a volta da velha zona geral brasileira.
Em psicanálise, sabe-se que a dificuldade de curar um neurótico é que ele "deseja" o mal que o aflige. Estamos assistindo a um caso de brutal "resistência" ao projeto do governo FHC, que quis fazer uma revolução possível nas estruturas absurdas do Estado brasileiro. O ódio vai mais além de FH. Odeiam a agenda que ele pretendeu e que, talvez, morra na praia. O precário imaginário político brasileiro, a soma de seus cacoetes, ilusões, preconceitos, esse imaginário feito de restos de getulismo, de um udenismo-leninista em coalizão com o fisiologismo das oligarquias, esse ensopadinho ideológico está deflagrado num vale-tudo contra a mudança de um país patrimonialista em um país mais moderno. É contra isso, contra seu programa, e não apenas contra o presidente, que se insurge o golpismo atual, com a opinião pública manipulada pelos líderes e a mídia espetaculosa.
O símbolo dessa reação é ACM, que chega a ter a importância sociológica de ser a síntese viva da resistência patrimonialista. ACM comanda há meses (com sucesso) a transformação do país numa "chacrinha". Há meses, estamos paralisados, assistindo às diabruras desse delinquente tardio. E ele expressa com clareza o que desejam os seus seguidores: permanência do coronelismo, provocação à democracia, cooptação da ignorância do povo contra qualquer racionalidade reformista. É incrível, mas ele disse, há pouco, literalmente: "Esperem para ver o que vou fazer com esse país...". E, mesmo assim, é visível nas entrelinhas que vários jornalistas têm uma fascinação secreta pelo seu autoritarismo machista.
O que eu acho assustador é que ninguém se toca para a delicadeza do momento histórico que vivemos. Ninguém pensa no fio de navalha econômica em que andamos, entre crises nossas e dos outros, como Argentina, Alca, Turquia... Falam de politica como se cuidássemos da substituição de um gabinete por outro, como se estivéssemos na Suécia. O grave é que os fundamentos de nossa economia é que estão em jogo. A desinformação popular, alimentada pelos golpistas, acha que o problema do governo é a "corrupção", existente há 400 anos e que só a democracia fez aparecer. Dizem que nosso problema é "moral", tudo "culpa do FHC", esquecendo-se do Congresso, do Judiciário e das burocracias. Fazem o alarmismo de bobagens, só apontam detalhes "micro" para impedir qualquer mudança "macro".
O vexame simplista da menina presidente da Ubes, mostrando a bunda (provavelmente posará para "Playboy"), é emblemática: "Mostrei a bunda para mandar o governo para o espaço". A oposição está conseguindo isto: caçar o FHC, concentrar tudo nele, para esconder que o alvo é seu projeto.
Entrementes, o cartola paulista e ex-secretário de Justiça do Quércia (!), este Approbato da OAB, usa o protocolo para insultar um homem decente, para aparecer e também porque os advogados estão irritados com as MPs, pois elas prejudicam os gordos honorários das desapropriações contra o Tesouro. Enquanto isso, o "Jeca Tatu" fascistóide Itamar avisa que vai pedir moratória de novo, para inviabilizar a economia; enquanto isso, o PT, numa "bandeira" explícita, mostra seu desejo e programa no horrendo filmete "ratos roendo o Brasil"; enquanto isso, os acadêmicos ressentidos vão saindo da toca para babujar truísmos sobre "neoliberalismo e correlação de forças", e um professor como Francisco de Oliveira, de pijama em casa, acusa José Serra de ser ligado a "esquemas internacionais", ele, que acaba de vencer batalha na ONU sobre o poder americano dos remédios, reconhecido como vitória pelos jornais do mundo todo. E, extraordinário: sabota-se durante anos o governo, infernizando-o com provocações sem fim, para fazer soçobrar qualquer tentativa de racionalidade e, quando o governo começa a soçobrar, acusam-no de "soçobrar"...
Eu achava que o período Collor nos teria ilustrado para a necessidade de reformar estruturas que estimulam o caos, a loucura de um Estado falido e ineficiente. Não. Compreendem-no apenas como uma vitoria da "moralidade".
As forças da "frente única oligarquias-ideologias" estão lutando para reconstruir o mesmo Brasil que permitiu o surgimento de Collor, que permitiu a anomia flácida com inflação de 80% ao mês do governo Sarney e, antes, o golpe de 64. Querem a volta do Brasil iludido, sem projeto, porque atraso e zona dão lucros ideológicos e fisiológicos. E melhor para roubar o Estado e propagar utopias ridículas. Há no golpismo instalado mais do que o ódio a FHC. Há o desejo de provar que a democracia é impossível aqui.
Repito o que disse no início: se não houver adequação do Brasil à realidade econômica mundial, se a racionalidade que este governo tentou for substituída por um nacionalismo jeca ou pela burrice ideológica das oposições sem programa, em pouco tempo teremos a quebra do país e a volta de um autoritarismo de direita, como foi em 64.
E, como ninguém segura a força da economia mundial, veremos que, fragilizados, falidos, nossa possível adaptação crítica ao mundo globalizado será substituída por uma dependência imposta, uma satelitização do país ao capital dominante e aí, sim, aí veremos (oh, babacas do meu Brasil!) o que é o neoliberalismo selvagem e a desconstrução de uma nação.



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