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LIVROS/LANÇAMENTOS
"Amor Insensato" retrata homem respeitável que é subjugado por garota com traços ocidentais
Tanizaki faz crônica de complexo japonês
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Entre os clássicos do cinema
que eu não consegui ver até o
fim (deve haver algum site de cinéfilos com listas desse tipo), está
"O Anjo Azul", com Marlene Dietrich. Bastou-me assistir a alguns
minutos da história daquele patético professor Unrat (Emil Jannings), que cai nas mãos da fatal
Marlene, para desligar o vídeo.
As situações descritas neste romance de Junichiro Tanizaki
(1886-1965) tendem a me provocar o mesmo tipo de aflição: desde
os primeiros capítulos, sabemos
que o respeitável engenheiro Joji
Kawai, de 28 anos, será reduzido a
trapos pelo poder sexual da jovem
Naomi. A primeira coisa que o
atrai naquela balconista adolescente é a sonoridade desse nome,
bastante ocidental a seus ouvidos.
É com o título de "Naomi", aliás,
que a primeira edição brasileira
de "Amor Insensato" foi lançada
no Brasil, na década de 80, pela
editora Brasiliense.
Naomi ainda não completou 15
anos (some-se a imagem de Lolita
àquela do Anjo Azul), vem de família humilde, mostra-se a princípio dócil, direta e inocente. Seduzido por seus traços ocidentais,
Joji alimenta a fantasia de transformá-la numa mulher refinada.
Será o caminho da ruína e da abjeção. Publicado em forma de folhetim nos anos de 1924 e 1925,
"Amor Insensato" é considerado
o primeiro grande romance de
Tanizaki, que se consagraria mais
tarde com "As Irmãs Morioka".
No Brasil, sua obra vem sendo
traduzida com relativa rapidez:
"Voragem" e "A Chave" saíram
pela Companhia das Letras; a editora Estação Liberdade lançou
"Diário de um Velho Louco", seu
último romance, de 1962, que resenhei há pouco tempo.
Quase 40 anos separam "Amor
Insensato" do "Diário de um Velho Louco", mas o tema não muda: homem respeitável se deixa
subjugar por mulher ocidentalizada, magnífica, obsedante. No
primeiro, a narrativa é direta, por
vezes estereotipada, mas prende a
atenção. No "Diário" tudo é ao
mesmo tempo mais sutil e extravagante. Nos dois casos, o encaminhamento dessas paixões lamentáveis, com direito a cenas de
podolatria e humilhação em público, é bastante previsível.
Mas esses livros não se resumem ao retrato de uma servidão
masculina na qual, visivelmente,
o próprio autor do livro se compraz. Casos como o de Joji e Naomi, assim como o do sr. Utsugi e
sua nora Satsuko, são a metáfora
de outro tipo de submissão: a da
cultura japonesa tradicional diante das influências do Ocidente. O
complexo de inferioridade dos japoneses perante americanos e europeus é tratado com minúcia por
Tanizaki, e merece ser lido por
qualquer brasileiro, mais até pelas
diferenças do que pelas semelhanças com nosso caso.
Em "Amor", são notáveis as páginas em que o protagonista confronta, num clube onde se dança o
"fox-trot" e o "one-step", diferentes tipos de mulher: desde uma
beldade do teatro clássico japonês
até uma grotesca moça de traços
camponeses, tentando se adaptar
à modernidade ocidental.
Tanizaki é mestre nas descrições do corpo feminino, e o erotismo que emana de Naomi é bem
mais convincente do que sua
crueldade; quanto a Joji, parece
excessivamente encarregado de
representar as intenções do próprio autor, xingando Naomi de
"meretriz imunda", por exemplo.
É como se a lição moral deste romance (o Japão se corrompe ao
abandonar a dignidade de suas
tradições) tivesse de ser repetida
até o clichê, para que o próprio
Tanizaki se livrasse do sortilégio
erótico das suas malévolas dançarinas de jazz. Ambigüidade que
não é o menor motivo de fascínio
deste livro.
Amor Insensato
Autor: Junichiro Tanizaki
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (271 págs.)
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