São Paulo, sábado, 05 de junho de 2004

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Sabino remexe sua juventude com romance escrito há quase 60 anos

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

De passagem pelo Rio nesta semana, o poeta sérvio Miodrag Pávlovitch, 76, disse à Folha que tem escrito textos autobiográficos, remontando à sua juventude, para dar "um certo final" à sua obra. Fernando Sabino, 80, vem cumprindo missão semelhante nos últimos anos. E o resultado é comovente.
Ao que se sabe, Sabino não tem escrito textos novos. Mas está revigorando suas "obras completas" ao mexer em baús.
Missivista compulsivo no passado, lançou recentemente suas trocas de cartas com Clarice Lispector, Mário de Andrade (versão ampliada de uma edição de 1982) e os eternos amigos Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo Mendes Campos.
Agora, o perfeccionista Sabino surpreende ao lançar um romance que deixara inédito por quase 60 anos. Em entrevista divulgada pela editora Record, ele diz que releu "Os Movimentos Simulados" "afogado em perdidas emoções" e resolveu "publicá-lo tal e qual, sem tirar nem pôr".
A afirmação pode levar a crer que as restrições do autor ao romance de 1946 não eram tanto em relação à sua qualidade, mas sim ao seu conteúdo -do lado de fora da pasta em que guardou os originais, anotou: "CUIDADO".
Escrito por um Sabino recém-instalado em Nova York e recém-separado de seus grandes amigos e da sua ainda provinciana Belo Horizonte, "Os Movimentos Simulados" é permeado por fortes doses de amargor e solidão, somadas a "desejos proibidos" como incesto e pedofilia.
Os personagens estão sempre em cordas bambas -como talvez o Sabino de 23 anos se sentisse na cosmopolita Nova York. Eles ficam entre instintos/regras sociais, paixões/obrigações, compulsões sexuais/ternuras, serenidades/ loucuras. Raramente conseguem o equilíbrio, estando quase sempre em estado de desamparo, exilados do mundo à volta e de si mesmos.
"Um homem sozinho. Aceitar essa solidão, que era a mesma do nascimento e da morte", escreve o narrador a respeito de Marcos, um dos personagens principais. Essa sensação perpassa boa parte do livro. Marcos, por exemplo, conta para Silvana que não é seu pai, se apaixona pela ex-filha, depois se envolve com a irmã do ex-namorado de Silvana e por aí vai. A ciranda em que ele gira é aflitiva e solitária.
É claro que a narrativa se ressente de uma certa imaturidade do autor, mas há pouco no livro do que Sabino pudesse se envergonhar em termos de qualidade. A estrutura é folhetinesca, mas o resultado vai muito além de um mero melodrama.
A forma de apresentar os vários personagens, entrecruzando suas trajetórias e não dando excessivo destaque a um ou outro, é bastante engenhosa. Ali já estava a semente do romancista que viria a brilhar dez anos depois com "Encontro Marcado", este um livro mais claramente autobiográfico e atemporal.
Sabino adotou a reclusão desde o início da década de 90, quando perdeu seus três grandes amigos e foi bastante criticado por ter escrito "Zélia, uma Paixão", sobre a ex-ministra da Economia do governo de Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello.
Concentra-se em preparar sua "obra póstuma antecipada", como diz. Vive entre a casa de Saquarema (litoral do Estado do Rio) e o apartamento de Ipanema cujo endereço, curiosamente, aparece em todos os seus livros.
Ele não dá entrevistas, mas às vezes liga para repórteres que tenham escrito sobre ele coisas que o interessaram. Envia livros autografados e é sempre simpático. Mas cada vez mais parece convicto de que "o escritor é um solitário", como diz na entrevista de divulgação:
"O escritor é um homem sozinho diante do papel em branco e às voltas com os seus demônios que ele conjura (...). Ele está começando do nada, vendo pela primeira vez. Tentando abrir um caminho, procurando no escuro a sua liberdade".


OS MOVIMENTOS SIMULADOS. Autor: Fernando Sabino. Editora: Record. Quanto: R$ 32 (274 págs.).


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