|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Sabino remexe sua juventude com romance escrito há quase 60 anos
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
De passagem pelo Rio nesta semana, o poeta sérvio Miodrag Pávlovitch, 76, disse à Folha que tem
escrito textos autobiográficos, remontando à sua juventude, para
dar "um certo final" à sua obra.
Fernando Sabino, 80, vem cumprindo missão semelhante nos últimos anos. E o resultado é comovente.
Ao que se sabe, Sabino não tem
escrito textos novos. Mas está revigorando suas "obras completas" ao mexer em baús.
Missivista compulsivo no passado, lançou recentemente suas
trocas de cartas com Clarice Lispector, Mário de Andrade (versão
ampliada de uma edição de 1982)
e os eternos amigos Hélio Pellegrino, Otto Lara Resende e Paulo
Mendes Campos.
Agora, o perfeccionista Sabino
surpreende ao lançar um romance que deixara inédito por quase
60 anos. Em entrevista divulgada
pela editora Record, ele diz que
releu "Os Movimentos Simulados" "afogado em perdidas emoções" e resolveu "publicá-lo tal e
qual, sem tirar nem pôr".
A afirmação pode levar a crer
que as restrições do autor ao romance de 1946 não eram tanto em
relação à sua qualidade, mas sim
ao seu conteúdo -do lado de fora da pasta em que guardou os
originais, anotou: "CUIDADO".
Escrito por um Sabino recém-instalado em Nova York e recém-separado de seus grandes amigos
e da sua ainda provinciana Belo
Horizonte, "Os Movimentos Simulados" é permeado por fortes
doses de amargor e solidão, somadas a "desejos proibidos" como incesto e pedofilia.
Os personagens estão sempre
em cordas bambas -como talvez
o Sabino de 23 anos se sentisse na
cosmopolita Nova York. Eles ficam entre instintos/regras sociais,
paixões/obrigações, compulsões
sexuais/ternuras, serenidades/
loucuras. Raramente conseguem
o equilíbrio, estando quase sempre em estado de desamparo, exilados do mundo à volta e de si
mesmos.
"Um homem sozinho. Aceitar
essa solidão, que era a mesma do
nascimento e da morte", escreve o
narrador a respeito de Marcos,
um dos personagens principais.
Essa sensação perpassa boa parte
do livro. Marcos, por exemplo,
conta para Silvana que não é seu
pai, se apaixona pela ex-filha, depois se envolve com a irmã do ex-namorado de Silvana e por aí vai.
A ciranda em que ele gira é aflitiva
e solitária.
É claro que a narrativa se ressente de uma certa imaturidade
do autor, mas há pouco no livro
do que Sabino pudesse se envergonhar em termos de qualidade.
A estrutura é folhetinesca, mas o
resultado vai muito além de um
mero melodrama.
A forma de apresentar os vários
personagens, entrecruzando suas
trajetórias e não dando excessivo
destaque a um ou outro, é bastante engenhosa. Ali já estava a semente do romancista que viria a
brilhar dez anos depois com "Encontro Marcado", este um livro
mais claramente autobiográfico e
atemporal.
Sabino adotou a reclusão desde
o início da década de 90, quando
perdeu seus três grandes amigos e
foi bastante criticado por ter escrito "Zélia, uma Paixão", sobre a ex-ministra da Economia do governo de Fernando Collor, Zélia Cardoso de Mello.
Concentra-se em preparar sua
"obra póstuma antecipada", como diz. Vive entre a casa de Saquarema (litoral do Estado do
Rio) e o apartamento de Ipanema
cujo endereço, curiosamente,
aparece em todos os seus livros.
Ele não dá entrevistas, mas às
vezes liga para repórteres que tenham escrito sobre ele coisas que
o interessaram. Envia livros autografados e é sempre simpático.
Mas cada vez mais parece convicto de que "o escritor é um solitário", como diz na entrevista de divulgação:
"O escritor é um homem sozinho diante do papel em branco e
às voltas com os seus demônios
que ele conjura (...). Ele está começando do nada, vendo pela primeira vez. Tentando abrir um caminho, procurando no escuro a
sua liberdade".
OS MOVIMENTOS SIMULADOS. Autor:
Fernando Sabino. Editora: Record.
Quanto: R$ 32 (274 págs.).
Texto Anterior: "Amar-te a ti nem Sei se com Carícias": Romance insinua os "pecados" de ontem e de hoje Próximo Texto: Trecho Índice
|