São Paulo, domingo, 05 de junho de 2005

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CRÍTICA

"Saia Justa" deixa mulheres no mesmo lugar

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

No fim -e no começo-, o programa acaba por dizer a que veio. Nas cenas iniciais, elas se maquiam, se arrumam, se embelezam. Nos últimos segundos no ar, o letreirinho do patrocinador se insinua: "O que você faria com uns quilos a menos?". O recheio pode até tentar parecer consistente, mas as pontas acabam por ser mais reveladoras.
Não que não haja esforços honestos e, bem, um projeto simpático em "Saia Justa". A idéia de levar mulheres de idades e, portanto, experiências diversas, poderia funcionar como uma espécie de chope entre amigas televisivo; aquela situação em que se fala um pouco de tudo, alguma confidência escapa, o clima esquenta, mas, ao fim e ao cabo, está tudo bem e somos amigas de novo.
E a combinação de simpatia pessoal e a seriedade jornalística de Monica Waldvogel cai como uma luva para um programa com esse perfil. Ali está a diplomacia para lidar com "personalidades" distintas, ali estão os dados de realidade, ali está uma interpretação mais compreensiva e menos simplesmente pessoal.
O diabo é que suas companheiras de tricô seguem seu comando por mais ou menos duas frases, depois descambam para a exibição despudorada de seu narcisismo, para a falação desordenada. É disso mesmo que as conversas entre amigas são feitas, mas quem quer assistir a papos de amigas que não as próprias?
E, mais, por que há tanta conversa de e sobre a mulher, fenômeno do qual "Saia Justa" é só um exemplo? Mesmo que admitamos que há mais o que discutir na condição contemporânea da mulher do que na do homem e que concordemos que há uma espécie de ânsia feminina em falar de si e talvez haja uma escuta mais apurada para as questões do outro, ainda sobra uma pulga atrás da orelha. Tanta falação não pode ser só porque é relevante culturalmente.
De um lado, por mais que se faça esforço no sentido contrário, é necessário botar a mulher em seu devido lugar: de imagem no espelho do olhar do outro -daí a obsessão em exibir, reiterar, educar e insistir tanto nos cuidados com a imagem. Mulher que não cuida da imagem tem algo a ser corrigido -e rápido. Eloqüente a esse respeito foi a cena em que a "neoconvertida" Márcia Tiburi, antes, dizia ela mesma, uma mulher "só intelecto" (o que quer signifique isso), agora, depois de rendida à maquiagem, à dieta e outras milongas mais, foi agraciada com um "você é linda" unânime das colegas de programa. Será que na fase intelecto ela mereceria o mesmo elogio? Ou ser linda depende de uma conversão?
De outro lado, tem a propaganda, mais uma vez. Há uma tonelada de produtos no mercado para serem vendidos em nome do bem-estar, da aparência, da "saúde", da "qualidade de vida". É para isso, no fundo, que se bota tanta mulher no ar. A inteligência ou interesse das conversas é mero ornamento -a pergunta que importa responder é aquela que aparece por último.

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