São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2008

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NINA HORTA

Reflexões de um caipira cósmico


Quantas vezes vocês já se interrogaram se os críticos entendem algo do que falam?

ESTEVE AQUI um crítico gastronômico tido como o melhor da Europa, o senhor Rafael García Santos. Apresentou-se na Universidade Anhembi Morumbi para falar sobre o poder da crítica gastronômica. É o criador do guia "Lo Mejor de la Gastronomía" e idealizador do congresso "Lo Mejor de la Gastronomía", aglutinador de chefs e arauto de novos valores. Seu site é www.lomejordelagastronomia.com.
Pois o nosso crítico vestia sapatos-tênis de verniz cinzento em tons dégradés e uma jaqueta de onça-cobra. Tenho muita vergonha desses preconceitos (iguais aos que se assomam num consultório médico de gosto duvidoso, flor de plástico com cocô de mosca e cheiro de bife) e já ia me levantando, quando outro crítico, sentado ao meu lado, me aquietou, dizendo que Ferran Adrià não existiria sem aquele homem que o tinha descoberto e que nem sempre o mau gosto nas roupas tem a ver com a pena e com a língua gastronômica. "Nem se importe com o casaco tigrado, é coisa de caipira basco, mas o sapato... realmente... é de caipira cósmico!"
Pois bem deixemos de picuinhas e passemos à sua leitura, editada, sem dúvida. Gostamos ou não gostamos dos críticos gastronômicos? Quantas vezes vocês já se interrogaram se os críticos entendem de alguma coisa do que falam? Serão independentes? Qual a influência que exercem sobre a sociedade e sobre os cozinheiros? O trabalho do crítico serve para alguma coisa? Para o senhor Rafael, a imagem dos críticos combina com a imagem que ele tem da sociedade. Há muito mais mentira do que realidade. Críticos mesmo não existem mais que 12 no mundo.
Acredita em pouca gente. Qual seria a função da crítica? Em primeiro lugar, informar sobre restaurantes, produtos, vinhos e mostrar o que está acontecendo. Descobrir novos valores, criticar, educar, introduzir conceitos, explicar técnicas, apostar nos jovens que têm ganas de ser alguém e de conquistar o mundo. Fazer refletir.
O crítico tem que usar suas armas para que a gastronomia, o cozinheiro e o comedor sejam impelidos para frente, senão ele seria apenas mais um aproveitador dentro de um sistema viciado. Deve buscar a credibilidade. O leitor deve acreditar, concordar e estar em sintonia com ele. Ao nosso conferencista fascina a cozinha de vanguarda. Os que não gostam de modernidades não devem lê-lo. O que não impediria que refletissem sobre essa opinião contrária, dando forças ao debate gastronômico.
A crítica, segundo ele, não é a verdade em si mesma. Está lá para ser analisada. Não vale dizer "sobre gosto não se discute". E o que adiantaria este leitor tão atento se o leitor também não tem dinheiro para freqüentar os restaurantes estrelados? O crítico pode enganar, então, a quem quiser. Pode elevar ao público internacional um cozinheiro medíocre.
Vocês sabem qual o maior mal da crítica de restaurantes? A falta de dinheiro. Fazer crítica custa caro.
É preciso pagar a comida, viajar, perde-se tempo, não há meios de se ganhar a vida com a crítica. Já pensaram se os críticos tivessem que pagar por suas refeições, quantos críticos existiriam no mundo?
Qual o futuro da crítica gastronômica? Se o crítico não for um empresário que ganhe seu próprio dinheiro, não conseguirá a liberdade sem depender de ninguém. Foi o que ele, Rafael, fez. Tornou-se seu próprio patrão. A única coisa à qual ele se propõe é ser fiel a si mesmo e ter liberdade para dizer o que quer. É feliz e ganha dinheiro. Logo, é bom crítico. (Todos viram muitas inconsistências na fala do senhor Rafael.
Mas, como não cabe aqui, fica a reflexão e a indignação de muitos... para outra vez.)

ninahorta@uol.com.br


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