|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NINA HORTA
Reflexões de um caipira cósmico
Quantas vezes vocês
já se interrogaram se os críticos entendem algo do que falam?
|
ESTEVE AQUI um crítico gastronômico tido como o melhor
da Europa, o senhor Rafael
García Santos. Apresentou-se na
Universidade Anhembi Morumbi
para falar sobre o poder da crítica
gastronômica. É o criador do guia
"Lo Mejor de la Gastronomía" e
idealizador do congresso "Lo Mejor
de la Gastronomía", aglutinador de
chefs e arauto de novos valores.
Seu site é www.lomejordelagastronomia.com.
Pois o nosso crítico vestia sapatos-tênis de verniz cinzento em
tons dégradés e uma jaqueta de onça-cobra. Tenho muita vergonha
desses preconceitos (iguais aos que
se assomam num consultório médico de gosto duvidoso, flor de
plástico com cocô de mosca e cheiro de bife) e já ia me levantando,
quando outro crítico, sentado ao
meu lado, me aquietou, dizendo
que Ferran Adrià não existiria sem
aquele homem que o tinha descoberto e que nem sempre o mau
gosto nas roupas tem a ver com a
pena e com a língua gastronômica.
"Nem se importe com o casaco
tigrado, é coisa de caipira basco,
mas o sapato... realmente... é de
caipira cósmico!"
Pois bem deixemos de picuinhas
e passemos à sua leitura, editada,
sem dúvida. Gostamos ou não gostamos dos críticos gastronômicos?
Quantas vezes vocês já se interrogaram se os críticos entendem
de alguma coisa do que falam? Serão independentes? Qual a influência que exercem sobre a sociedade e sobre os cozinheiros? O
trabalho do crítico serve para alguma coisa? Para o senhor Rafael, a
imagem dos críticos combina com
a imagem que ele tem da sociedade. Há muito mais mentira do que
realidade. Críticos mesmo não
existem mais que 12 no mundo.
Acredita em pouca gente.
Qual seria a função da crítica?
Em primeiro lugar, informar sobre
restaurantes, produtos, vinhos e
mostrar o que está acontecendo.
Descobrir novos valores, criticar,
educar, introduzir conceitos, explicar técnicas, apostar nos jovens
que têm ganas de ser alguém e de
conquistar o mundo. Fazer refletir.
O crítico tem que usar suas armas para que a gastronomia, o cozinheiro e o comedor sejam impelidos para frente, senão ele seria
apenas mais um aproveitador dentro de um sistema viciado. Deve
buscar a credibilidade. O leitor deve acreditar, concordar e estar em
sintonia com ele. Ao nosso conferencista fascina a cozinha de vanguarda. Os que não gostam de modernidades não devem lê-lo. O que
não impediria que refletissem sobre essa opinião contrária, dando
forças ao debate gastronômico.
A crítica, segundo ele, não é a
verdade em si mesma. Está lá para
ser analisada. Não vale dizer "sobre
gosto não se discute". E o que
adiantaria este leitor tão atento se
o leitor também não tem dinheiro
para freqüentar os restaurantes estrelados? O crítico pode enganar,
então, a quem quiser. Pode elevar
ao público internacional um cozinheiro medíocre.
Vocês sabem qual o maior mal da
crítica de restaurantes? A falta de
dinheiro. Fazer crítica custa caro.
É preciso pagar a comida, viajar,
perde-se tempo, não há meios de
se ganhar a vida com a crítica. Já
pensaram se os críticos tivessem
que pagar por suas refeições, quantos críticos existiriam no mundo?
Qual o futuro da crítica gastronômica? Se o crítico não for um empresário que ganhe seu próprio dinheiro, não conseguirá a liberdade
sem depender de ninguém. Foi
o que ele, Rafael, fez. Tornou-se
seu próprio patrão. A única coisa
à qual ele se propõe é ser fiel a si
mesmo e ter liberdade para dizer
o que quer. É feliz e ganha dinheiro. Logo, é bom crítico.
(Todos viram muitas inconsistências na fala do senhor Rafael.
Mas, como não cabe aqui, fica a reflexão e a indignação de muitos...
para outra vez.)
ninahorta@uol.com.br
Texto Anterior: Mais "Mondovino" Próximo Texto: "É o momento mais importante da TV latina" Índice
|