São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Costner é EUA contra o terror em 'O Mensageiro'

PAULO VIEIRA
especial para a Folha

Depois de dar literalmente com os burros n'água em "Waterworld", Kevin Costner alterna a variável. Em "O Mensageiro", as locações são secas, desérticas, e Costner o responsável por restaurar os Estados Unidos pós-hecatombe (ou 2013).
Para isso, ele incorpora uma espécie de herói-sem-caráter que, mesmo tendo a possibilidade de se tornar o redentor de seu tempo, hesita e comumente renuncia em nome de sua segurança pessoal e um prato de comida.
Num mundo em que os costumes voltam alguns bons pares de anos (mulheres costurando, por exemplo), Costner nos é apresentado ao lado de seu burrico representando peças de Shakespeare. Recrutado por Belém (Will Patton), um ex-vendedor de máquinas copiadoras que se tornou o mais temido e violento chefe militar desse novo mundo, tem o "8" da organização belicosa tatuado em seu braço.
Mas Costner foge e um dia vai dar com um jipe tombado. Dentro, o uniforme quase intacto de um carteiro.
Inventa duas ou três frases, acha uma leva de correspondências e consegue entrar em Pineview, que tem uma destinatária para uma das cartas que porta.
Ele queria comida, e é por ela que age, mas agora é obrigado a sustentar uma mentira, já que a população está ávida por notícias. Seus Estados Unidos restaurados têm um presidente, alguém chamado Starkey, a capital está instalada provisoriamente em Minneapolis e ele não precisa mais andar por aí foragido, ganha até um cavalo da população do vilarejo.
Enquanto pensa em sua sobrevivência, alguém que o viu em Pineview cria uma milícia de carteiros e a mantém animada com as cartas de estímulo assinadas pelo "Mensageiro".
É claro que Costner vai acabar, mais tarde, por chefiar esses discípulos contra Belém, com os resultados aguardados.
Se Costner abusa de clichês como o "slow motion", a trilha melosa, as câmeras fincadas em precipícios, os trocadilhos sobre fama trocados com Tom Petty (que faz uma ponta como prefeito de uma vila), ao menos conseguiu extrair de seus roteiristas um personagem menos óbvio do que era de esperar.
Não se costuma imaginar um carteiro como o adversário mais renhido de um general que nas horas vagas gosta de pintar seu próprio retrato (você viu isso em algum lugar).
Mas é mesmo o desejo de cuidar da própria vida que faz do personagem de Costner algo mais do que mais um defensor dos fracos e oprimidos. Ainda que, ao desfecho, abandone suas convicções estomacais e lute contra Belém, defendendo explicitamente os EUA, ele jamais parece estar agindo por conta própria.
Ironicamente, a redenção do eterno bom moço Costner pode estar começando agora, com a admissão de que ele traz também falhas em seu caráter.


Filme: O Mensageiro Produção: EUA, 1997
Direção: Kevin Costner Com: Kevin Costner, Will Patton, Larenz Tate, Olivia Williams Quando: a partir de hoje, nos cines Marabá, Eldorado 1, Gazeta e circuito




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.