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GASTRONOMIA
Pipoca, sofá e seleção
NINA HORTA
Colunista da Folha
O que temos em casas brasileiras
é pipoca saltando na panela e alguém batendo na tampa com colher de pau: "Bate, Maria! Bate,
Maria!". Só assim se evita o piruá,
o grão encruado que não estoura.
Nas cidades de interior a pipoca
enfeita os dias de festa. No centro
da mesa o coração de mãe formado por fileiras e fileiras de pipoca
colorida. Ou as iniciais do aniversariante e parabéns a você.
Café fraco com pipoca é o que se
oferece ao visitante inesperado.
Uma delícia.
A nossa pipoca é comida de santo, de terreiro, de porta de circo,
escola e cinema e praça. Humílima, não consta de nenhum manual de culinária que eu conheça.
Mas quem é de nós que não tem
uma certa ternura pelo carrinho
de pipoca, madeira pintada de
branco ou azul desbotado, cheirando forte, morno, quente, engenhoca tão simples, fogareiro, panela e vitrine?
E o pipoqueiro é aquele anônimo, um ser apagado diante daquela franga solta que é a pipoca.
Temos também a máquina elétrica, asséptica, inodora, aquário
onde as pipocas pulam, muito
doidas, sem saber nem de onde
vêm nem para aonde vão, pobres
grãos desnorteados.
Apesar de dona de tão parca informação sobre o milho de pipoca,
sinto que está voltando à moda.
Será possível? Quando foi exatamente que saiu de moda? Vem,
agora, dos Estados Unidos, dos
enormes baldes comidos no cinema. Não fazem parte de nosso
imaginário juvenil as emoções engolidas com a pipoca, olhos estatelados, mãos frias, medos mastigados, amores engasgados.
Mas vai fazer. Esta nova geração
ligadona em TV e com forno de
microondas na cozinha não quer
mais nada do que uma boa pipoca
que infla em quatro minutos, devastadoramente rápida, fácil de fazer, inchada como um air bag,
pronta a salvar nossas vidas por
um fio nesta Copa do Mundo.
Agarrados no saco pardo de pipoca, vamos torcer para que os
gols estourem no mesmo ritmo
vertiginoso do milho, pipocando
no micro. Gooooooool! O mundo
inteiro agarrado num saco de pipoca.
É a tal de globalização, e com pipoca ou sem pipoca a diferença
não vai ser grande. E os Estados
Unidos merecem lançar moda.
Qual outro país teria na Internet
tudo sobre um milho que estoura?
"Encyclopedia Popcornica".
Verdade.
Da nossa pipoca, "p$ poka", tupi para "estalando a pele", nada.
Da pipoca alheia, tudo. Hora e
modos de comê-la, festas, cantigas, charadas, estatísticas, histórias, jogos, mitos e negócios.
Você pode comprar um carrinho
de pipoca, aliás um carrão de pipoca nos moldes de carroça do
Velho Oeste, com duas pias, órgão, com cavalo ou sem cavalo.
Sem cavalo custa 15 mil dólares e
garante um futuro promissor. Boa
sorte ao pipoqueiro.
Veja abaixo mais dicas da
"Encyclopedia Popcornica".
* Dentre as panelas comuns, as
melhores são de aço inoxidável ou
ferro. Quanto mais grossas, melhor para a distribuição do calor.
As de alumínio também servem. A
tampa deve ter uma fenda para
que o vapor escape, ou você mesmo sacode a panela, mantendo
uma certa abertura na tampa.
* O fogo deve ser estável. Se muito forte, o milho queima. Se fraco,
aumentam os piruás. Fogo alto até
começarem a estourar. Abaixar
para médio. Fica pronta em quatro ou cinco minutos.
* Em 1519 Cortez teve o prazer de
encontrar sua primeira pipoca ao
invadir o México e encontrar os
astecas. A pipoca tinha grande importância e era usada em colares,
ornamentos de cabeça e nos enfeites do deus Tlaloc, o rei do milho,
da chuva e da fertilidade.
* Exploradores franceses na região dos Grandes Lagos (lá por
1612) contaram que os índios iroqueses faziam a pipoca saltar num
recipiente de argila com areia
quente e a usavam também para
sopa de pipoca, seja lá o que seja
uma sopa de pipoca.
* Os índios americanos levavam
sacos de pipoca em bolsas de pele
de animais como presente aos colonizadores nas reuniões de paz.
* As donas-de-casa da colônia
americana serviam pipoca com
açúcar e creme de leite no café da
manhã, o primeiro cereal "estourado", americano, comido como
breakfast pelos europeus.
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