São Paulo, sexta, 5 de junho de 1998

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GASTRONOMIA
Pipoca, sofá e seleção

NINA HORTA
Colunista da Folha

O que temos em casas brasileiras é pipoca saltando na panela e alguém batendo na tampa com colher de pau: "Bate, Maria! Bate, Maria!". Só assim se evita o piruá, o grão encruado que não estoura.
Nas cidades de interior a pipoca enfeita os dias de festa. No centro da mesa o coração de mãe formado por fileiras e fileiras de pipoca colorida. Ou as iniciais do aniversariante e parabéns a você.
Café fraco com pipoca é o que se oferece ao visitante inesperado. Uma delícia.
A nossa pipoca é comida de santo, de terreiro, de porta de circo, escola e cinema e praça. Humílima, não consta de nenhum manual de culinária que eu conheça.
Mas quem é de nós que não tem uma certa ternura pelo carrinho de pipoca, madeira pintada de branco ou azul desbotado, cheirando forte, morno, quente, engenhoca tão simples, fogareiro, panela e vitrine?
E o pipoqueiro é aquele anônimo, um ser apagado diante daquela franga solta que é a pipoca.
Temos também a máquina elétrica, asséptica, inodora, aquário onde as pipocas pulam, muito doidas, sem saber nem de onde vêm nem para aonde vão, pobres grãos desnorteados.
Apesar de dona de tão parca informação sobre o milho de pipoca, sinto que está voltando à moda. Será possível? Quando foi exatamente que saiu de moda? Vem, agora, dos Estados Unidos, dos enormes baldes comidos no cinema. Não fazem parte de nosso imaginário juvenil as emoções engolidas com a pipoca, olhos estatelados, mãos frias, medos mastigados, amores engasgados.
Mas vai fazer. Esta nova geração ligadona em TV e com forno de microondas na cozinha não quer mais nada do que uma boa pipoca que infla em quatro minutos, devastadoramente rápida, fácil de fazer, inchada como um air bag, pronta a salvar nossas vidas por um fio nesta Copa do Mundo.
Agarrados no saco pardo de pipoca, vamos torcer para que os gols estourem no mesmo ritmo vertiginoso do milho, pipocando no micro. Gooooooool! O mundo inteiro agarrado num saco de pipoca.
É a tal de globalização, e com pipoca ou sem pipoca a diferença não vai ser grande. E os Estados Unidos merecem lançar moda.
Qual outro país teria na Internet tudo sobre um milho que estoura? "Encyclopedia Popcornica". Verdade.
Da nossa pipoca, "p$ poka", tupi para "estalando a pele", nada. Da pipoca alheia, tudo. Hora e modos de comê-la, festas, cantigas, charadas, estatísticas, histórias, jogos, mitos e negócios.
Você pode comprar um carrinho de pipoca, aliás um carrão de pipoca nos moldes de carroça do Velho Oeste, com duas pias, órgão, com cavalo ou sem cavalo. Sem cavalo custa 15 mil dólares e garante um futuro promissor. Boa sorte ao pipoqueiro.
Veja abaixo mais dicas da "Encyclopedia Popcornica".
* Dentre as panelas comuns, as melhores são de aço inoxidável ou ferro. Quanto mais grossas, melhor para a distribuição do calor. As de alumínio também servem. A tampa deve ter uma fenda para que o vapor escape, ou você mesmo sacode a panela, mantendo uma certa abertura na tampa.
* O fogo deve ser estável. Se muito forte, o milho queima. Se fraco, aumentam os piruás. Fogo alto até começarem a estourar. Abaixar para médio. Fica pronta em quatro ou cinco minutos.
* Em 1519 Cortez teve o prazer de encontrar sua primeira pipoca ao invadir o México e encontrar os astecas. A pipoca tinha grande importância e era usada em colares, ornamentos de cabeça e nos enfeites do deus Tlaloc, o rei do milho, da chuva e da fertilidade.
* Exploradores franceses na região dos Grandes Lagos (lá por 1612) contaram que os índios iroqueses faziam a pipoca saltar num recipiente de argila com areia quente e a usavam também para sopa de pipoca, seja lá o que seja uma sopa de pipoca.
* Os índios americanos levavam sacos de pipoca em bolsas de pele de animais como presente aos colonizadores nas reuniões de paz.
* As donas-de-casa da colônia americana serviam pipoca com açúcar e creme de leite no café da manhã, o primeiro cereal "estourado", americano, comido como breakfast pelos europeus.



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