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LIVRO - LANÇAMENTO
"Vitória" mostra o verso do conto de fada
MARIANE MORISAWA
da Redação
Era uma vez a princesa Vitória,
que subiu ao trono muito cedo, depois de ser a terceira na linha de sucessão, casou com um rapaz belo e
sábio, a quem amava muito, teve
muitos filhos, reinou, por 64 anos,
no período de maior poder e riqueza de seu país, a Inglaterra, e deu
nome a uma era, marcada por sua
imagem de austeridade.
Por trás do conto de fadas, no entanto, existia uma criança isolada e
infeliz, que perdera o pai ainda bebê, uma jovem insegura quanto a
sua aparência e capacidade de reinar, uma mulher vidrada por seu
marido, o príncipe Albert, descontente com o ofício de mãe, egoísta,
aberta a futilidades.
Foi a diferença entre a imagem
austera da Vitória das fotografias e
a mulher que revelava seus sentimentos em cartas e diários que
atraiu a escritora Anka Muhlstein,
autora do livro "Vitória", que foi
lançado há 20 anos na França e só
agora chega ao Brasil.
"Ali estava uma mulher que era
incomumente franca em seus gostos e desgostos -eu fiquei particularmente atônita pelo fato de ela
admitir as dificuldades em relação
a suas crianças-, uma mulher que
não tentava minimizar a importância da atração física quando se
tratava de amor e que parecia completamente livre de preconceitos
sociais e raciais", disse Anka
Muhlstein em entrevista à Folha.
Na biografia, a escritora apresenta uma imagem nova para a rainha
dos livros escolares. Em vez de se
ater aos maçantes fatos históricos,
Muhlstein abriu as cartas e os diários francos de Vitória. Ao devassá-los, ela descartou a imagem que
se faz dos soberanos, que sempre
parecem invencíveis, inumanos.
Muhlstein mostra uma Vitória
que não se acanha em demonstrar
seus mais íntimos sentimentos em
cartas a seu tio Leopold, amigo
desde a infância, com opiniões
sempre preciosas à menina sem
pai e à jovem rainha, e até a seu
conselheiro, o lorde Melbourne.
"Noite desconcertante e deliciosa",
diz a rainha em carta a Melbourne
um dia após suas núpcias.
Antes, relatara a seu tio as qualidades de Albert, seu marido. "Oh!
meu caro tio, como estou feliz!
Realmente, adoro Albert. (...) Não
suporto ser afastada dele, pois as
horas que passamos juntos são tão
felizes, tão encantadoras."
Esse escancaramento de sensações era algo novo entre os soberanos. "A novidade era que ela expressava os sentimentos e que a
fronteira entre a rainha e a mulher
diminuíram. A rainha burguesa, a
rainha como mulher, mãe e avó era
algo novo", diz Muhlstein.
Filhos
Logo após o casamento, vieram
os filhos. Nove. Mas Vitória, ao
contrário de Albert, não se encantava com as crianças, nem mesmo
com os pequenos, revelando extrema crueldade. "Um bebê feio é um
objeto completamente repugnante
(...) e o mais bonito deles é pavoroso (...) pois seus pequenos membros lhe dão um corpo desproporcionado e ele é animado daqueles
horríveis movimentos de rã."
Sobre uma das crianças, seria
ainda mais cruel: "Leopold é extremamente feio, comporta-se sempre mal e é muito desagradável,
creio mesmo que está mais feio do
que quando era pequeno".
"Muitas razões podem ajudar a
compreender sua frieza em relação
às crianças", conta a escritora.
"Elas eram um impedimento à sua
intimidade com Albert. E o fato de
que as crianças não a divertiam ou
interessavam teve um papel. Ela
era muito ocupada, muito impaciente para ser uma boa mãe."
Aos poucos, o amado Albert, no
início afastado dos negócios públicos, vivendo apenas como o marido de Vitória, passa, com sua inteligência e percepção das coisas, a
ter papel fundamental no reinado.
Como mostra o livro, ela até deixa
alguns assuntos sob responsabilidade do príncipe.
A morte de Albert, em 1861, aos
42 anos, seria avassaladora para a
rainha: "Oh! é muito terrível, muito pavoroso! E uma náusea, um
frio glacial próximo do mais louco
desespero que me invade". Transtornada, ela se afasta do trono, passando boa parte de seu tempo na
Escócia.
Ainda cruel e egoísta, não suporta que seus filhos se mostrem felizes, mesmo que estejam se casando, nem que ousem parecer mais
infelizes do que ela. Escreve ela à filha, contente por ir ao casamento
do irmão: "Querida filha, teu êxtase diante de tudo isto me parece
muito incompreensível! (...) Um
dia que esperamos com tanta alegria durante longos anos e que
agora é para mim pior do que um
enterro!".
Mais tarde, causaria escândalo
ao se tornar amiga do rude cavalariço John Brown -história relatada no filme "Sua Majestade, Mrs.
Brown". Suspeitavam que fossem
amantes.
Anka Muhlstein acredita que isso
não tenha acontecido: "Ela chocou
suas crianças e seus empregados
porque ria com Brown e se submetia a suas decisões sobre seus passeios e diversões. Havia algo bizarro na relação no sentido de que eles
não eram amantes -estou convencida de que não- e ainda assim era um relacionamento físico.
Ela gostava precisamente da força
e rudeza de Brown".
Apesar de mostrar a força feminina ao reinar durante tanto tempo, a contraditória Vitória nunca
defendeu os direitos da mulher.
Ainda, mesmo tendo empregado
um hindu na corte e defendido os
pobres, a rainha pouco fez para
melhorar a condição do povo. "Foi
a duração de seu reinado que deu a
Vitória a importância, não suas
qualidades. Ela acabou por simbolizar a resistência e o poder ingleses", completa Muhlstein.
A avó da Europa -entre seus
descendentes estavam a imperatriz da Rússia, o imperador da Alemanha e as rainhas da Grécia, da
Noruega e da Romênia-, ao morrer, em 1901, deixava um reino sólido e potente. E um acervo precioso
sobre as fraquezas e virtudes da
rainha burguesa, na forma de cartas e diários, reveladas e analisadas
na biografia de Muhlstein.
Livro: Vitória
Autora: Anka Muhlstein
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 25 (164 págs.)
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