São Paulo, terça-feira, 05 de julho de 2005

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Escritor indiano está no Brasil para o lançamento mundial de seu próximo livro, "Shalimar, o Equilibrista", na Flip

"Vivemos um tempo de fúria", diz Rushdie

MARCOS GUTERMAN
SYLVIA COLOMBO
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO

"Vivemos um tempo de fúria, mas eu estou com um excelente humor", disse ontem, no Rio, um descontraído Salman Rushdie, 58, recém-chegado ao Brasil. Em entrevista à Folha, o escritor indiano falou sobre política internacional e sobre seu romance "Shalimar, o Equilibrista", que terá lançamento mundial na Feira Literária de Paraty, que começa amanhã.
O livro é uma história de amor e traição cheio de metáforas sobre o poder no mundo desde a Segunda Guerra até os dias de hoje. Um dos protagonistas é um embaixador norte-americano que formula teorias sobre o futuro, entre as quais a de que China, India e Brasil se tornariam protagonistas por causa da força de sua economia emergente. Nesse ponto, Rushdie diz concordar com o personagem. "Se você olhar para o futuro do mundo, você verá a China, a India e o Brasil".
O escritor indiano não quis comentar a "fatwa" que foi lançada contra ele pelo aiatolá Khomeini, que o condenou à morte, em 1989, por considerar "Versos Satânicos" um insulto ao islã e uma prova de apostasia cometida pelo escritor. Rushdie, que hoje se considera não-religioso, nasceu numa família muçulmana liberal.
Para o autor indiano, é impossível para um escritor hoje ignorar as turbulências do mundo contemporâneo e, mesmo contando uma história particular sobre três pessoas, a força do contexto inevitavelmente se fará presente. Em sua segunda visita ao Brasil (esteve na Bienal do Livro de 2003), o escritor diz ser fã de Machado de Assis, gostou de "Budapeste", de Chico Buarque, e está ansioso por ler mais de Rubem Fonseca.

 

Folha - Seu livro é cheio de amor mas também, e muito mais, cheio de raiva. O mundo de hoje é assim?
Salman Rushdie -
Os tempos atuais são cheios de raiva. Eu não, pessoalmente estou de excelente humor [risos]. Vivemos num tempo em que todo mundo parece ter raiva de alguma coisa, basta ver os motoristas na rua. Há muito mais raiva do que costumava haver. No meu livro "Fúria" (2001), um personagem diz que o mundo parece experimentar vários curtos-circuitos. Acho que é a tragédia do nosso tempo. E particularmente na Caxemira, onde essa raiva destruiu um paraíso. O livro em si invoca a idéia de um paraíso perdido. Mas é diferente da idéia clássica ocidental de paraíso, onde as pessoas são expulsas. Neste caso, as pessoas destroem o paraíso, com bombas e metralhadoras.

Folha - A eleição do linha-dura iraniano Mahmoud Ahmadinejad como presidente do Irã é resultado dessa raiva?
Rushdie -
[Contrariado] Eu não gostaria de comentar. Eu não o conheço. Assim como todo mundo eu fui pego de surpresa. Para mim, não importam os linha dura, os liberais, os conservadores do Irã, porque o regime é o regime. Eu não sou especialista em Irã, eu não sou de lá. Pensam que sou por causa da fatwa, mas eu não quero ser visto como um tipo de especialista em Irã. Pergunte-me sobre a Índia e eu poderei falar bastante. Pergunte-me sobre os EUA. São lugares que eu conheço. Mas acho [Mohammad] Khatami [presidente do Irã] um fracasso. Ele prometeu muitas coisas e não cumpriu.

Folha - O sr. não está com medo de que a fatwa possa ser retomada?
Rushdie -
Por que deveria? Os tempos são outros.

Folha - Índia, Brasil, Japão e Alemanha querem um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O que o sr. acha da idéia, sobretudo no que diz respeito à parte "pobre" desse grupo?
Rushdie -
Acho que, se você olhar para o futuro do mundo, você verá China, Índia e Brasil, porque são as locomotivas econômicas do futuro, em termos de população e de recursos. O mundo não será dependente dos EUA para sempre. Temos este momento em que os EUA são a única superpotência do mundo, isso é assim agora e pode continuar pelos próximos 50 anos. Mas ninguém nos EUA acha que vai durar para sempre. Acho que é inevitável que Índia e China -e, potencialmente, o Brasil- podem se tornar as forças reais emergentes e assim ocupar o lugar que merecem. Eu não sei exatamente o que acontece hoje no Conselho de Segurança, mas acho que ele deve refletir o momento histórico.


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