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Escritor indiano está no Brasil para o lançamento mundial de seu próximo livro, "Shalimar, o Equilibrista", na Flip
"Vivemos um tempo de fúria", diz Rushdie
MARCOS GUTERMAN
SYLVIA COLOMBO
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO
"Vivemos um tempo de fúria,
mas eu estou com um excelente
humor", disse ontem, no Rio, um
descontraído Salman Rushdie, 58,
recém-chegado ao Brasil. Em entrevista à Folha, o escritor indiano
falou sobre política internacional
e sobre seu romance "Shalimar, o
Equilibrista", que terá lançamento mundial na Feira Literária de
Paraty, que começa amanhã.
O livro é uma história de amor e
traição cheio de metáforas sobre o
poder no mundo desde a Segunda
Guerra até os dias de hoje. Um
dos protagonistas é um embaixador norte-americano que formula
teorias sobre o futuro, entre as
quais a de que China, India e Brasil se tornariam protagonistas por
causa da força de sua economia
emergente. Nesse ponto, Rushdie
diz concordar com o personagem. "Se você olhar para o futuro
do mundo, você verá a China, a
India e o Brasil".
O escritor indiano não quis comentar a "fatwa" que foi lançada
contra ele pelo aiatolá Khomeini,
que o condenou à morte, em 1989,
por considerar "Versos Satânicos" um insulto ao islã e uma prova de apostasia cometida pelo escritor. Rushdie, que hoje se considera não-religioso, nasceu numa
família muçulmana liberal.
Para o autor indiano, é impossível para um escritor hoje ignorar
as turbulências do mundo contemporâneo e, mesmo contando
uma história particular sobre três
pessoas, a força do contexto inevitavelmente se fará presente. Em
sua segunda visita ao Brasil (esteve na Bienal do Livro de 2003), o
escritor diz ser fã de Machado de
Assis, gostou de "Budapeste", de
Chico Buarque, e está ansioso por
ler mais de Rubem Fonseca.
Folha - Seu livro é cheio de amor
mas também, e muito mais, cheio
de raiva. O mundo de hoje é assim?
Salman Rushdie - Os tempos
atuais são cheios de raiva. Eu não,
pessoalmente estou de excelente
humor [risos]. Vivemos num
tempo em que todo mundo parece ter raiva de alguma coisa, basta
ver os motoristas na rua. Há muito mais raiva do que costumava
haver. No meu livro "Fúria"
(2001), um personagem diz que o
mundo parece experimentar vários curtos-circuitos. Acho que é a
tragédia do nosso tempo. E particularmente na Caxemira, onde
essa raiva destruiu um paraíso. O
livro em si invoca a idéia de um
paraíso perdido. Mas é diferente
da idéia clássica ocidental de paraíso, onde as pessoas são expulsas. Neste caso, as pessoas destroem o paraíso, com bombas e
metralhadoras.
Folha - A eleição do linha-dura
iraniano Mahmoud Ahmadinejad
como presidente do Irã é resultado
dessa raiva?
Rushdie - [Contrariado] Eu não
gostaria de comentar. Eu não o
conheço. Assim como todo mundo eu fui pego de surpresa. Para
mim, não importam os linha dura, os liberais, os conservadores
do Irã, porque o regime é o regime. Eu não sou especialista em
Irã, eu não sou de lá. Pensam que
sou por causa da fatwa, mas eu
não quero ser visto como um tipo
de especialista em Irã. Pergunte-me sobre a Índia e eu poderei falar
bastante. Pergunte-me sobre os
EUA. São lugares que eu conheço.
Mas acho [Mohammad] Khatami
[presidente do Irã] um fracasso.
Ele prometeu muitas coisas e não
cumpriu.
Folha - O sr. não está com medo
de que a fatwa possa ser retomada?
Rushdie - Por que deveria? Os
tempos são outros.
Folha - Índia, Brasil, Japão e Alemanha querem um assento permanente no Conselho de Segurança
da ONU. O que o sr. acha da idéia,
sobretudo no que diz respeito à
parte "pobre" desse grupo?
Rushdie - Acho que, se você
olhar para o futuro do mundo,
você verá China, Índia e Brasil,
porque são as locomotivas econômicas do futuro, em termos de
população e de recursos. O mundo não será dependente dos EUA
para sempre. Temos este momento em que os EUA são a única superpotência do mundo, isso é assim agora e pode continuar pelos
próximos 50 anos. Mas ninguém
nos EUA acha que vai durar para
sempre. Acho que é inevitável que
Índia e China -e, potencialmente, o Brasil- podem se tornar as
forças reais emergentes e assim
ocupar o lugar que merecem. Eu
não sei exatamente o que acontece hoje no Conselho de Segurança, mas acho que ele deve refletir o
momento histórico.
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