|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Ler ou não ler?
O professor e psicanalista francês Pierre Bayard propõe a "dessacralização' da leitura em antimanual irônico; "Não conseguimos atrair as pessoas para a leitura se as fazemos ter medo de ler'
MARCOS STRECKER
ENVIADO ESPECIAL A PARATY
A idéia é provocativa e francamente irritante para muitos,
especialmente em um evento
como a Festa Literária Internacional de Paraty. Mas é justamente propondo a "dessacralização" da leitura no bem-humorado antimanual "Como Falar de Livros que Não Lemos?"
(Objetiva) que o psicanalista
francês Pierre Bayard se apresenta amanhã, quando debate
com o colunista da Folha Marcelo Coelho na mesa "Os Livros
que Não Lemos".
Em entrevista, o professor de
literatura francesa na Universidade de Paris-8 diz que seu livro foi muito bem recebido nos
EUA, mas não no Reino Unido.
"O problema é que lá as pessoas
levaram ao pé da letra." Afirma
que procurou fazer uma obra
divertida sobre a consciência
pesada dos não-leitores e que
houve muitos mal-entendidos
quando o livro foi lançado.
"Mas eles acabaram levando ao
seu sucesso", diz, sorrindo.
FOLHA - As pessoas devem ter vergonha de não ler alguns livros?
PIERRE BAYARD - Eu tento mostrar que as pessoas não devem
ter vergonha. Tento "desculpabilizar" o leitor, mostrando que
freqüentemente os intelectuais, em especial os professores, tentam transmitir a imagem do livro como um objeto sagrado. Os grandes leitores sabem que há muitos livros bons
que nunca leram. E, mesmo alguns livros que são importantes, o que significa não ter lido?
Sempre dividimos as obras
nas categorias lidas e não-lidas.
Para os intelectuais, sobretudo,
há um espaço intermediário, o
dos livros com os quais vivemos. Às vezes nós apenas folheamos, outras vezes apenas
começamos, outras vezes somente ouvimos falar ou lemos
críticas sobre eles. Podemos até
ter lido da primeira à última linha, mas há muito tempo, e já
os esquecemos. Mostro como
substituímos as obras por livros imaginários.
FOLHA - Não é necessário ler todo o
livro para compreendê-lo?
BAYARD - Tento tirar do discurso sobre os livros tudo o que
significa "é necessário" ou "se
deve". Acho que há muitos itinerários possíveis. Claro que há
o mais habitual, de ler da primeira à última linha. Mas há
outras formas. Podemos apenas folhear ou ler até uma certa
altura. Pode não ser o bom momento para lê-los. Assim como
há várias maneiras de conhecer
uma pessoa.
FOLHA - Os seus argumentos são
de um professor ou de um psicanalista?
BAYARD - Naturalmente, há
uma dimensão psicanalítica, já
que a questão inicial da psicanálise é a de liberar o paciente
da culpa. Mas também é um livro de professor. Percebi, na
prática, que os alunos tendiam
a considerar o livro como um
objeto religioso. Tendiam a ler
da primeira à última linha sem
se dar a liberdade de percorrer
a obra. Meu livro é sobretudo
para os grandes leitores. Houve
uma certa confusão, porque alguns jornalistas consideraram
que eu queria dissuadir as pessoas da leitura. Mas sou um
grande leitor, precisei ler muitas obras para poder escrever
meu livro. O grande leitor é
uma pessoa livre em relação
aos livros.
FOLHA - Já que estamos em uma
festa literária e o sr. diz que é um
grande leitor, o sr. leu os livros dos
outros autores?
BAYARD - Há alguns autores de
quem eu realmente li os livros.
Da psicanalista Elisabeth Roudinesco, por exemplo, eu já li
muito. Há autores cujas obras
me interessam, mas que não
comecei realmente a ler. De
Alessandro Baricco, por exemplo, eu comecei a refletir sobre
os seus livros.
FOLHA - O sr. leu Baricco?
BAYARD - Sim... Bem, não... É
complicado [risos].
FOLHA - O sr. está no Brasil, país
com baixo índice de leitura. Uma
obra como a sua, quando diz que
não é necessário ler um livro, não
pode ser considerada antipedagógica?
BAYARD - Mas eu acho que é necessário ler! Apenas acho que
não conseguimos atrair as pessoas para a leitura se as fazemos ter medo de ler. Precisamos ensinar o prazer da leitura,
que consiste em escolher os livros que são bons para você
mesmo. Isso é muito difícil. E
não eleger alguns livros que as
pessoas sejam obrigadas a ler.
No meu livro, por exemplo, eu
digo que nunca acabei de ler
"Ulisses", de James Joyce. Isso
é um escândalo para um intelectual. Não é que não seja um
livro bom para mim. Talvez não
o seja neste momento.
FOLHA - A internet é um bom meio
de formar leitores ou é o contrário?
BAYARD - É um instrumento
formidável. Mas há um risco de
apenas se "passar os olhos" em
tudo. Por outro lado, vejo muitos alunos que entram na biblioteca, selecionam alguns livros e tratam de lê-los da primeira à última linha.
Quantos livros vão acabar
lendo em suas vidas?
Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta Próximo Texto: Autor cria "códigos" da não-leitura Índice
|