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O BOM DO DIA
"Trono Manchado de Sangue" passa hoje
Cinemateca exibe "Macbeth" japonês
PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha
A influência de William Shakespeare nas artes ocidentais é
amplamente conhecida e discutida. Mas o bardo estendeu
seu prestígio também ao
Oriente, como prova o cineasta
japonês Akira Kurosawa.
"Trono Manchado de Sangue" (1957), que a Sala Cinemateca exibe hoje na mostra Teatro, Cinema e Psicanálise (leia
no quadro abaixo), foi uma das
leituras que o diretor fez de textos do dramaturgo.
Após a exibição, o psicanalista Paulo Sandler e o crítico teatral Alberto Guzik participam
de mesa-redonda, mediados
pelo psicanalista Roberto
Kehdy, discutindo as nuanças
da transposição de Shakespeare ao cinema japonês.
A adaptação de Kurosawa é
tão grandiosa quanto a de seu
"Ran" (1985) -considerado
sua obra-prima, uma transposição livre de "Rei Lear", do
mesmo dramaturgo.
Nesse "Trono Manchado de
Sangue" a história se mantém a
mesma, mas a relevância é dada, sobretudo, à atuação estupenda de Toshiro Mifune.
Ele faz Macbeth, ou melhor,
Washizu, um guerreiro no Japão feudal que sai vitorioso de
um combate que colocaria em
risco seu senhor, Tsuzuki.
No retorno da guerra, ele e o
amigo de batalha Miki encontram um "espírito maligno"
que prevê o futuro de ambos.
Pode-se dizer que Washizu é
dos mais fiéis homens do castelo Kumo-no-Su, mas a ansiedade em saber se eram corretas as
previsões de que assumiria o
trono real o faz cair na conversa
de sua mulher, Asaji (a lady
Macbeth de Shakespeare).
Ela convence seu marido de
que assassinar o rei seria a
chance de sobreviver e assumir
previamente o poder.
Como no "Macbeth" original,
ela prepara o plano, cabendo a
ele enfiar a espada no rei. Mais
tarde, não por suas mãos, mas
pela de seu súdito, virá a morte
do amigo. O filho deste arma
um contra-ataque para destruir o assassino.
Kurosawa, diferentemente
das tantas adaptações já feitas
-seja as de Orson Welles (em
52) e de Roman Polanski (em
72)-, não põe em relevo a presença física de lady Macbeth/
Asaji, que acaba por enlouquecer. Ela é, tal qual o original, a
maior responsável pela ação
desgraçada de Washizu, mas
sua presença em cena é praticamente nula.
As cenas de combate nem
aparecem. É como se Kurosawa
quisesse apontar o fracasso de
Washizu não como rei ou guerreiro, mas como homem.
Se o cinema apresentou, na
versão de Polanski, a cabeça de
Macbeth rolando no chão, Kurosawa, simbolicamente, se utiliza de flechas, que vão acossando o protagonista até o momento que um derradeiro dardo lhe atravessa o pescoço.
Outra significativa sequência
é a de Asaji arrastando seu quimono no chão, fazendo um ruído enquanto anda.
São duas sequências distintas, já que suas virtudes são
bem particulares. A do quimono, pela criação exclusiva de
Kurosawa. A das flechadas, pelo "phisique du rôle" de Toshiro Mifune, em que cada furada
faz com que a platéia sinta como se lá estivesse.
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