São Paulo, Segunda-feira, 05 de Julho de 1999
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O BOM DO DIA
"Trono Manchado de Sangue" passa hoje
Cinemateca exibe "Macbeth" japonês

PAULO SANTOS LIMA
free-lance para a Folha

A influência de William Shakespeare nas artes ocidentais é amplamente conhecida e discutida. Mas o bardo estendeu seu prestígio também ao Oriente, como prova o cineasta japonês Akira Kurosawa.
"Trono Manchado de Sangue" (1957), que a Sala Cinemateca exibe hoje na mostra Teatro, Cinema e Psicanálise (leia no quadro abaixo), foi uma das leituras que o diretor fez de textos do dramaturgo.
Após a exibição, o psicanalista Paulo Sandler e o crítico teatral Alberto Guzik participam de mesa-redonda, mediados pelo psicanalista Roberto Kehdy, discutindo as nuanças da transposição de Shakespeare ao cinema japonês.
A adaptação de Kurosawa é tão grandiosa quanto a de seu "Ran" (1985) -considerado sua obra-prima, uma transposição livre de "Rei Lear", do mesmo dramaturgo.
Nesse "Trono Manchado de Sangue" a história se mantém a mesma, mas a relevância é dada, sobretudo, à atuação estupenda de Toshiro Mifune.
Ele faz Macbeth, ou melhor, Washizu, um guerreiro no Japão feudal que sai vitorioso de um combate que colocaria em risco seu senhor, Tsuzuki.
No retorno da guerra, ele e o amigo de batalha Miki encontram um "espírito maligno" que prevê o futuro de ambos.
Pode-se dizer que Washizu é dos mais fiéis homens do castelo Kumo-no-Su, mas a ansiedade em saber se eram corretas as previsões de que assumiria o trono real o faz cair na conversa de sua mulher, Asaji (a lady Macbeth de Shakespeare).
Ela convence seu marido de que assassinar o rei seria a chance de sobreviver e assumir previamente o poder.
Como no "Macbeth" original, ela prepara o plano, cabendo a ele enfiar a espada no rei. Mais tarde, não por suas mãos, mas pela de seu súdito, virá a morte do amigo. O filho deste arma um contra-ataque para destruir o assassino.
Kurosawa, diferentemente das tantas adaptações já feitas -seja as de Orson Welles (em 52) e de Roman Polanski (em 72)-, não põe em relevo a presença física de lady Macbeth/ Asaji, que acaba por enlouquecer. Ela é, tal qual o original, a maior responsável pela ação desgraçada de Washizu, mas sua presença em cena é praticamente nula.
As cenas de combate nem aparecem. É como se Kurosawa quisesse apontar o fracasso de Washizu não como rei ou guerreiro, mas como homem.
Se o cinema apresentou, na versão de Polanski, a cabeça de Macbeth rolando no chão, Kurosawa, simbolicamente, se utiliza de flechas, que vão acossando o protagonista até o momento que um derradeiro dardo lhe atravessa o pescoço.
Outra significativa sequência é a de Asaji arrastando seu quimono no chão, fazendo um ruído enquanto anda.
São duas sequências distintas, já que suas virtudes são bem particulares. A do quimono, pela criação exclusiva de Kurosawa. A das flechadas, pelo "phisique du rôle" de Toshiro Mifune, em que cada furada faz com que a platéia sinta como se lá estivesse.



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