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COMENTÁRIO
Delírio e ausência de controle também produzem beleza
CÁSSIO STARLING CARLOS
EDITOR DO FOLHATEEN
De Georges Méliès a David
Lynch, o inconsciente sempre alimentou as imagens do cinema. Ver filmes muitas vezes se
assemelha a sonhar de olhos abertos. Porém, é quando o inconsciente delira que o cinema tem a
habilidade de deixar o espectador
de fato perplexo.
Nessa mostra, as "Imagens do
Inconsciente" registradas por
Leon Hirszman e o "Van Gogh"
de Alain Resnais dão conta do essencial: o que significa delirar?
Pois esses filmes deslocam a interpretação do delírio como ausência de sentido e restituem seu
significado como deriva de sentido, até aquele ponto insuportável
que a razão considera "loucura".
A pergunta que eles colocam é:
como a ausência do controle, a irracionalidade, produz beleza? Ao
mergulhar nas obras de "loucos",
esses filmes expulsam o elemento
negativo das "desordens mentais". Assim, levam o espectador a
entender que razão e desrazão são
conceitos menos opostos do que
se pensa.
Sob outra perspectiva, "San Clemente" (de Raymond Depardon)
e "Titicut Follies" (de Frederick
Wiseman) democratizam os argumentos da luta antimanicomial. Em ambos, vê-se como o
hospício é um Gulag absoluto.
Muito além das prisões (cujo
princípio seria "reformador"), os
manicômios são espaços não de
reclusão, mas de exclusão social.
Diante dessas imagens, persiste
um desconforto provocado pelo
voyeurismo a que elas forçam o
espectador. Pois se trata de ver o
que não se quer ver. Já que a
maioria ignora a desumanização
total daqueles indivíduos, Depardon e Wiseman nem precisam
enfatizar. Basta abrir o foco da câmera e devolver à visibilidade indivíduos que o hospício arrancou
da vista de todos.
Uma ressalva: a presença do tagarela "As Pessoas Normais Não
São Nada Excepcionais" não
compensa a ausência, em São
Paulo, de dois grandes títulos "invisíveis": "Paixões que Alucinam"
(de Samuel Fuller) e de "Uma
Mulher Sob Influência" (de John
Cassavetes), vistos no Rio.
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