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Ironia de Osvaldo Pereira evoca criações de Noel Noel e Lamartine Babo
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO
Se Osvaldo Pereira fosse um
compositor dos anos 30, seria só
mais um. Hoje, chama a atenção
por sua singularidade. Em seu segundo CD, "As Árvores", esse carioca de 37 anos apresenta um rol
de músicas que, por causa das
melodias cadenciadas e das letras
irônicas, evoca as criações de Noel
Rosa e Lamartine Babo de uma
forma dificilmente encontrável
hoje em dia.
"Quando eu tinha oito anos, ouvi "Com que Roupa?", de Noel, e
aquilo me marcou profundamente. Por idiossincrasia, comecei a
colecionar discos de 78 rotações
com sambas dos anos 30. Hoje,
essa é uma referência natural. Não
componho assim para copiar",
explica Pereira.
É uma trajetória tão singular
que ele ainda não encontrou lugar
no meio musical. O primeiro CD,
o independente "Olha Zé", de
1998, ganhou no ano seguinte um
Prêmio Sharp na categoria revelação. Ainda assim, ele ficou de 2001
a 2004 gravando por conta própria "As Árvores".
No momento atual do samba
carioca, também é figura peculiar.
Em vez de cantar os sambas do
passado, como fazem muitos dos
intérpretes da nova geração, ele
cria sambas próprios com um
gosto de passado. Em vez de ser
um cantor/músico que invoca os
mestres negros do gênero, ele é
branco na pele e no estilo.
"Reconheço que sou um sambista de disco, de gostar de ouvir e
tocar. Não tenho formação de roda, de partido-alto. Quero ver se,
apresentando meu novo trabalho,
eu consigo trocar mais com os
partideiros", anseia ele, que lança
o CD produzido por Luís Filipe de
Lima na próxima terça-feira, no
Espaço Cultural Sérgio Porto, no
Rio de Janeiro.
Bem buriladas, as letras e melodias de Pereira indicam um bom
tempo de gestação. A exceção, segundo ele, é a faixa-título do disco, samba que compôs em 2000,
em uma viagem de ônibus do Jardim Botânico até Copacabana
-dura menos de meia hora.
"Foi uma época em que eu catava moedinha para pagar a passagem, estava sem namorada e meu
cachorro tinha morrido. Passando pelo Jardim Botânico, pensei:
"Meu único amor no mundo são
as árvores!'", conta ele, que cursa
direito para não depender só da
música.
A ironia é o forte de Pereira. Em
"As Árvores", evoca o samba clássico de Noel nos versos "E moro
na roupa que/ Não possui armário". E brinca mais com a própria
falência: "Mas hei de inventar a
pinga/ Do eterno porre".
"Sorriso" tem trechos perfeitos
para os tempos de "mensalão":
"Alguém que conquista fortuna
lesando o seu semelhante/ Devia
ter, no semblante,/ Caretas horríveis de dor"; "Roubas dinheiro do
povo mentindo descaradamente/
E eu sempre te vi sorridente/ Em
foto que sai no jornal"; "Quem
tem/ Duas caras, devia/ Ter paralisia/ No maxilar".
"Torpes Sensações" é a mais divertida do CD: "És uma flor graciosa sedenta de amor/ Eu bem
queria regar-te e te proteger de toda dor/ Mas trazes no teu passado
horríveis depravações/ Até hoje,
quando bebes, te entregas a torpes sensações".
Há boas doses de lirismo em
"Rua dos Inventos" e "Poente", e
ainda mais de humor nas marchas "Hino da C.A.F.E.R.J" e "Dinheiro". O CD fecha com o ótimo
"Idéias" ("Pois eu vivo de idéias/
E estou faminto", diz o refrão),
em que tocam duas importantes
figuras do samba carioca: Carlos
Didier, violonista e co-autor (com
João Máximo) de "Noel Rosa
-Uma Biografia", e Eliseu, grande percussionista.
As Árvores
Artista: Osvaldo Pereira
Gravadora: Dubas
Quanto: R$ 24, em média
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