|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA/DANIEL FILHO
Habituado ao sucesso na TV e no cinema, diretor diz saber de antemão "o que não funciona"; ele põe de novo à prova seu "toque de Midas" com longa "Primo Basílio"
"A fórmula do fracasso existe", diz Daniel Filho
ELE JÁ deu as cartas na teledramaturgia brasileira, ao comandar a área artística da Globo; hoje, Daniel Filho reina por trás dos (raros) filmes nacionais de sucesso, dirigindo-os ("Se Eu Fosse Você") ou co-produzindo-os ("Cidade de Deus"). Com "Primo Basílio", que estréia
na sexta, quer "explorar o nicho" dos "filmes de
amor", que sumiram das telas e que julga ainda atrair
as mulheres, que "mandam" nas escolhas de lazer.
FOLHA - Por que adaptou a história
de 1878 de Eça de Queirós para o
Brasil desenvolvimentista dos 50?
DANIEL FILHO - Nelson Rodrigues bebeu muito [na obra] do
Eça, e eu quis manter esse clima rodriguiano, juntar Nelson
e Eça. Não poderia fazer isso no
Rio de Janeiro, que é mais permissivo do que São Paulo, ainda
mais naquela época, em que
São Paulo vivia a euforia quatrocentona do crescimento.
É curioso que São Paulo sempre quis esse crescimento e hoje vive o caos decorrente dele. A
megalópole ficou isolada!
FOLHA - O filme acentua mais o
conflito do desejo do que a crítica social, traço do livro. Para isso, você
tentou dar mais densidade à personagem de Luísa, que Machado de
Assis classificou como "um caráter
negativo", por deixar-se levar ao
adultério, sem o impulso da paixão?
FILHO - Não concordo com Machado de Assis. No próprio Eça
havia uma sedução e um desejo
não-resolvido naquele romance trivial e doméstico da menina com o primo. A Luísa é, sim,
uma personagem muito fútil.
Procurei dar motivos maiores à futilidade dela, como deslumbrar-se com o casamento
de Grace Kelly, algo que deslumbraria muitas mulheres.
FOLHA - Quando Basílio diz, em seu
filme: "O século 19 acabou faz tempo. Não se foge mais assim!", você
está apontando o anacronismo do
sonho romântico de Luísa?
FILHO - Sim. É um sonho romântico anacrônico que qualquer mulher pode viver hoje.
Sentimentos são atemporais.
FOLHA - Você filma o aprendizado
sexual de Luísa com Basílio num
tom mais sensual do que erótico. É
um cuidado para não afastar a parcela mais conservadora do público?
FILHO - Tentei usar o conselho
que o pai de Eça deu a ele: "Meu
filho, acho bonito você estar
embarcando no realismo, mas
não escreva nada que possa fazer corar as senhoras e senhoritas [risos]. Isso nunca me saiu
da cabeça durante o filme.
FOLHA - Na minissérie "O Primo
Basílio" (1988), que dirigiu na Globo, Marilia Pêra fez uma elogiada interpretação da doméstica Juliana.
No filme, você deu o papel a Gloria
Pires, sua atriz-fetiche. Como avalia
o desempenho de ambas?
FILHO - A Juliana da Marilia
não corresponde ao que eu queria que ela fizesse. Marilia não
quis ser tão feia [quanto a personagem]. Ela se defendeu.
Mesmo sem chegar aonde eu
queria, ela chega a um outro caminho. É uma grande atriz.
Já Gloria é uma atriz-fetiche
sim, mas é brilhante. Tem uma
economia! E fez uma Juliana
feia mesmo. Ela dá certo humor
às cenas com a Débora [Falabella]. É engraçado, até que deixa
de ser engraçado e passa a ser
trágico. A troca de posições [entre patroa e empregada] é uma
coisa que adoro no livro do Eça.
O público fica com pena
quando aquela menina está
sendo empregada e não tem pena da empregada! No Brasil,
existe um trato quase de escravo com as empregadas.
FOLHA - Reynaldo Gianecchini não
é bonito demais para o papel de Jorge, o marido traído?
FILHO - Achei que, assim, eu escaparia de ser maniqueísta. Escalando duas potências de afeto
feminino, queria que ficasse
claro que o problema de Luísa
não é ser atraída pelo mais lindo ou o mais gostoso. Não é desse tipo de amor que se trata.
Acho que é isso o que acontece na alma da mulher. Já o homem, sim, é preconceituoso. Se
mulher ficasse careca, será que
homem casava com ela? Mulher não tem esse conceito de
beleza. O amor da mulher é
mais solto, mais aberto.
FOLHA - Guilherme Fontes, que
atua em "Primo Basílio", ofereceu a
você, nos anos 90, a direção de
"Chatô", antes de decidir ser ele
mesmo o diretor do filme, ainda inacabado. Por que recusou o convite?
FILHO - Porque achei que aquele filme já tinha sido feito. Chama-se "Cidadão Kane", e não
saberia como fazer diferente.
FOLHA - É chavão no cinema dizer
que "não existe a fórmula do sucesso". Existe a fórmula do fracasso?
FILHO - Sim. Dá para escrever
um livro de coisas que não funcionam. Mas cinema é muito
ingrato. Você tem idéia do que
não vai funcionar, mas não tem
certeza do que vai funcionar.
Com "Primo Basílio", estou
tentando entrar num nicho
inexplorado. Não há filmes de
amor, de paixão. Não se fazem
mais [filmes como] "O Morro
dos Ventos Uivantes", profundamente femininos. E sabemos
que as mulheres é que escolhem o que assistir -no teatro,
no cinema, no balé. Os homens
querem ver é futebol.
FOLHA - A que atribui a atual queda de público dos filmes nacionais?
FILHO - Estamos com filmes
ruins. Alguns são até bons, mas
para cinéfilos. São aqueles filmes de vanguarda. Curiosamente, iguais aos filmes de vanguarda de antigamente. Tudo
muda, só não muda a vanguarda. Mas vou dividir essa responsabilidade [pela queda de
público] com a imprensa.
A crítica tem muita importância. Mas o que é bom e o que
é ruim ficou meio perdido.
Imagina a mulher que chama o
marido para ir ver um filme que
o jornal está dizendo que é
bom. O cara vai e enfrenta o
"Baixio das Bestas" [de Cláudio
Assis, sobre garota explorada
sexualmente pelo avô no sertão
nordestino]. O marido vai olhar
para a cara da mulher e dizer:
"No sábado você me traz para
ver isso? É o nosso sábado!".
Enfim, não houve nenhum
filme brasileiro nesse período
[2006/2007] que eu tenha
achado extraordinário. De
quais se esperava sucesso?
FOLHA - "Antônia" (Tata Amaral),
que fez 79 mil espectadores.
FILHO - Não achei "Antônia" lá
essas coisas. Quando vi e quiseram fazer o seriado [na Globo],
achei um filme "cinema novo",
quer dizer, uma narrativa cinematográfica mais ou menos. Aí
fizeram uma inversão de valores [o filme foi lançado somente depois da exibição da série na
TV] e deu uma merda.
FOLHA - Esperava-se mais público
também para "Ó Paí, Ó" (Monique
Gardenberg), que ficou em 390 mil.
FILHO - Fez mais do que eu esperava. É um clipãozão. E pesaram a mão no final, com aquelas crianças morrendo. É um
filme que joga o espectador de
um lado para outro. Eu ficava
perdido, [me perguntando] que
porra de filme estou vendo?
Também quebrei a cara, com
"Caixa Doi$" [de Bruno Barreto, 247 mil espectadores]. Não
gostava do título, mas não quero criticar colegas e estou envolvido [é produtor associado].
Enfim, ficaram coisas [no filme] que não dava para mexer.
FOLHA - Qual sua aposta de sucesso na safra nacional prevista?
FILHO - Acredito muito em
"Meu Nome Não É Johnny" [de
Mauro Lima; estréia prevista
para janeiro de 2008].
FOLHA - E em "Cidade dos Homens", de Paulo Morelli, não?
FILHO - Acredito que irá bem.
Mas, no filme, de uma forma ou
outra nota-se o seriado [homônimo, da Globo]. Não sei se isso
é bom ou ruim, para um filme
sério, que não é uma comédia.
FOLHA - Como se sente aos 70?
FILHO - 69. Faço 70 em setembro. Não me imagino com 70,
mas, dia sim, dia não, tenho um
"ui" que não sei de onde vem.
Outro dia me apareceu uma dor
na minha canela. Acho que tem
a ver [com a idade]. Mas meu
pai tem 100; minha mãe, 96. Se
a genética funciona, tenho aí ao
menos um tempo muito ativo.
Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Frase Índice
|