São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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ENTREVISTA/DANIEL FILHO

Habituado ao sucesso na TV e no cinema, diretor diz saber de antemão "o que não funciona"; ele põe de novo à prova seu "toque de Midas" com longa "Primo Basílio"

"A fórmula do fracasso existe", diz Daniel Filho

ELE JÁ deu as cartas na teledramaturgia brasileira, ao comandar a área artística da Globo; hoje, Daniel Filho reina por trás dos (raros) filmes nacionais de sucesso, dirigindo-os ("Se Eu Fosse Você") ou co-produzindo-os ("Cidade de Deus"). Com "Primo Basílio", que estréia na sexta, quer "explorar o nicho" dos "filmes de amor", que sumiram das telas e que julga ainda atrair as mulheres, que "mandam" nas escolhas de lazer.

FOLHA - Por que adaptou a história de 1878 de Eça de Queirós para o Brasil desenvolvimentista dos 50?
DANIEL FILHO
- Nelson Rodrigues bebeu muito [na obra] do Eça, e eu quis manter esse clima rodriguiano, juntar Nelson e Eça. Não poderia fazer isso no Rio de Janeiro, que é mais permissivo do que São Paulo, ainda mais naquela época, em que São Paulo vivia a euforia quatrocentona do crescimento. É curioso que São Paulo sempre quis esse crescimento e hoje vive o caos decorrente dele. A megalópole ficou isolada!

FOLHA - O filme acentua mais o conflito do desejo do que a crítica social, traço do livro. Para isso, você tentou dar mais densidade à personagem de Luísa, que Machado de Assis classificou como "um caráter negativo", por deixar-se levar ao adultério, sem o impulso da paixão?
FILHO
- Não concordo com Machado de Assis. No próprio Eça havia uma sedução e um desejo não-resolvido naquele romance trivial e doméstico da menina com o primo. A Luísa é, sim, uma personagem muito fútil. Procurei dar motivos maiores à futilidade dela, como deslumbrar-se com o casamento de Grace Kelly, algo que deslumbraria muitas mulheres.

FOLHA - Quando Basílio diz, em seu filme: "O século 19 acabou faz tempo. Não se foge mais assim!", você está apontando o anacronismo do sonho romântico de Luísa?
FILHO
- Sim. É um sonho romântico anacrônico que qualquer mulher pode viver hoje. Sentimentos são atemporais.

FOLHA - Você filma o aprendizado sexual de Luísa com Basílio num tom mais sensual do que erótico. É um cuidado para não afastar a parcela mais conservadora do público?
FILHO
- Tentei usar o conselho que o pai de Eça deu a ele: "Meu filho, acho bonito você estar embarcando no realismo, mas não escreva nada que possa fazer corar as senhoras e senhoritas [risos]. Isso nunca me saiu da cabeça durante o filme.

FOLHA - Na minissérie "O Primo Basílio" (1988), que dirigiu na Globo, Marilia Pêra fez uma elogiada interpretação da doméstica Juliana. No filme, você deu o papel a Gloria Pires, sua atriz-fetiche. Como avalia o desempenho de ambas?
FILHO
- A Juliana da Marilia não corresponde ao que eu queria que ela fizesse. Marilia não quis ser tão feia [quanto a personagem]. Ela se defendeu. Mesmo sem chegar aonde eu queria, ela chega a um outro caminho. É uma grande atriz.
Já Gloria é uma atriz-fetiche sim, mas é brilhante. Tem uma economia! E fez uma Juliana feia mesmo. Ela dá certo humor às cenas com a Débora [Falabella]. É engraçado, até que deixa de ser engraçado e passa a ser trágico. A troca de posições [entre patroa e empregada] é uma coisa que adoro no livro do Eça.
O público fica com pena quando aquela menina está sendo empregada e não tem pena da empregada! No Brasil, existe um trato quase de escravo com as empregadas.

FOLHA - Reynaldo Gianecchini não é bonito demais para o papel de Jorge, o marido traído?
FILHO
- Achei que, assim, eu escaparia de ser maniqueísta. Escalando duas potências de afeto feminino, queria que ficasse claro que o problema de Luísa não é ser atraída pelo mais lindo ou o mais gostoso. Não é desse tipo de amor que se trata. Acho que é isso o que acontece na alma da mulher. Já o homem, sim, é preconceituoso. Se mulher ficasse careca, será que homem casava com ela? Mulher não tem esse conceito de beleza. O amor da mulher é mais solto, mais aberto.

FOLHA - Guilherme Fontes, que atua em "Primo Basílio", ofereceu a você, nos anos 90, a direção de "Chatô", antes de decidir ser ele mesmo o diretor do filme, ainda inacabado. Por que recusou o convite?
FILHO
- Porque achei que aquele filme já tinha sido feito. Chama-se "Cidadão Kane", e não saberia como fazer diferente.

FOLHA - É chavão no cinema dizer que "não existe a fórmula do sucesso". Existe a fórmula do fracasso?
FILHO
- Sim. Dá para escrever um livro de coisas que não funcionam. Mas cinema é muito ingrato. Você tem idéia do que não vai funcionar, mas não tem certeza do que vai funcionar.
Com "Primo Basílio", estou tentando entrar num nicho inexplorado. Não há filmes de amor, de paixão. Não se fazem mais [filmes como] "O Morro dos Ventos Uivantes", profundamente femininos. E sabemos que as mulheres é que escolhem o que assistir -no teatro, no cinema, no balé. Os homens querem ver é futebol.

FOLHA - A que atribui a atual queda de público dos filmes nacionais?
FILHO
- Estamos com filmes ruins. Alguns são até bons, mas para cinéfilos. São aqueles filmes de vanguarda. Curiosamente, iguais aos filmes de vanguarda de antigamente. Tudo muda, só não muda a vanguarda. Mas vou dividir essa responsabilidade [pela queda de público] com a imprensa.
A crítica tem muita importância. Mas o que é bom e o que é ruim ficou meio perdido. Imagina a mulher que chama o marido para ir ver um filme que o jornal está dizendo que é bom. O cara vai e enfrenta o "Baixio das Bestas" [de Cláudio Assis, sobre garota explorada sexualmente pelo avô no sertão nordestino]. O marido vai olhar para a cara da mulher e dizer: "No sábado você me traz para ver isso? É o nosso sábado!".
Enfim, não houve nenhum filme brasileiro nesse período [2006/2007] que eu tenha achado extraordinário. De quais se esperava sucesso?

FOLHA - "Antônia" (Tata Amaral), que fez 79 mil espectadores.
FILHO
- Não achei "Antônia" lá essas coisas. Quando vi e quiseram fazer o seriado [na Globo], achei um filme "cinema novo", quer dizer, uma narrativa cinematográfica mais ou menos. Aí fizeram uma inversão de valores [o filme foi lançado somente depois da exibição da série na TV] e deu uma merda.

FOLHA - Esperava-se mais público também para "Ó Paí, Ó" (Monique Gardenberg), que ficou em 390 mil.
FILHO
- Fez mais do que eu esperava. É um clipãozão. E pesaram a mão no final, com aquelas crianças morrendo. É um filme que joga o espectador de um lado para outro. Eu ficava perdido, [me perguntando] que porra de filme estou vendo? Também quebrei a cara, com "Caixa Doi$" [de Bruno Barreto, 247 mil espectadores]. Não gostava do título, mas não quero criticar colegas e estou envolvido [é produtor associado]. Enfim, ficaram coisas [no filme] que não dava para mexer.

FOLHA - Qual sua aposta de sucesso na safra nacional prevista?
FILHO
- Acredito muito em "Meu Nome Não É Johnny" [de Mauro Lima; estréia prevista para janeiro de 2008].

FOLHA - E em "Cidade dos Homens", de Paulo Morelli, não?
FILHO
- Acredito que irá bem. Mas, no filme, de uma forma ou outra nota-se o seriado [homônimo, da Globo]. Não sei se isso é bom ou ruim, para um filme sério, que não é uma comédia.

FOLHA - Como se sente aos 70?
FILHO
- 69. Faço 70 em setembro. Não me imagino com 70, mas, dia sim, dia não, tenho um "ui" que não sei de onde vem. Outro dia me apareceu uma dor na minha canela. Acho que tem a ver [com a idade]. Mas meu pai tem 100; minha mãe, 96. Se a genética funciona, tenho aí ao menos um tempo muito ativo.


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