São Paulo, quinta-feira, 05 de agosto de 2010

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comida


Quem mexeu no meu ragu?

O molho encorpado, ideal para o inverno , é quase uma religião para os italianos, apesar do pé na cozinha francesa; conheça receitas tradicionais e variações do prato em menus da cidade

MARÍLIA MIRAGAIA
DO GUIA FOLHA

Não obstante o azul intenso do mar Tirreno estar ao alcance da janela, é na cozinha que se passa a história de "Sabato, Domenica e Lunedì" (sábado, domingo e segunda), dirigido por Lina Wertmüller, com Sophia Loren como "mamma" Rosa.
Linguiça? Presunto cru? Carne de porco? No filme, uma polêmica que se passa no açougue sobre a receita do cultuado ragu dominical quase faz a bela Loren "se esquecer de que é uma dama".
Um bocado dos livros de cozinha explica que o termo tem origem francesa ("ragoût") e descreve algo que incita, desperta o paladar; o verbo "ragoûter" destina-se a recuperar o apetite perdido.
Aveludado, o ragu é resultado de um cozimento em que o suco de componentes cortados em pequenas partes -carne bovina, peixe, ave ou legume- se desprende de forma a criar um caldo espesso e aromático.
Para os franceses, a matéria-prima ajuda a designar o nome da receita: "É uma gíria que engloba vários preparos. O de cordeiro, é chamado "navarin", o de boi, "bourguignonne'", diz Alain Uzan, professor do Senac e chef-consultor do Felix Bistrot.
Na Itália, assume diferentes formas, acompanhando a produção local de alimentos. "Toda parte tem um ragu que apresenta a cultura regional", diz Salvatore Loi, chef do Fasano.
No país de Loi, os vigilantes -e não as matriarcas- têm fama de deter a melhor receita. Isso porque, durante o tempo de zelar pela segurança, eles permitem, sem pressa, que o líquido evolua na panela fumegante, tornando o resultado apurado e saboroso.
A anedota está presente na "Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia" e traduz outra característica do prato: o cozimento alongado (mais breve, com ingredientes delicados) em fogo brando. É o processo que contribui para sua consistência mais espessa.
"Cada um interpreta a receita como quiser, a cozinha é livre. Mas ragu que não tem cremosidade não é ragu. O verdadeiro, clássico, tem de ter liga", diz Loi, sobre a densidade -que, muitas vezes, é ignorada em restaurantes.
Comandante do Mesa III, a chef Ana Soares, entretanto, acredita que as inovações na cozinha surgem mais rápido que seu vocabulário: "A gente acaba usando, para se expressar, termos que na sua essência têm uma definição mais rígida; muitas vezes, faltam palavras", afirma.

CLÁSSICO DAS CANTINAS
Na panela da "mamma" Rosa (que atrai quem quer que passe pela cozinha), o que brilha é o ragu napolitano -mas ele é o primo de menos destaque da família.
O ragu "alla bolognese", que, servido acompanhado de tagliatelle, representa uma das combinações mais emblemáticas da cozinha italiana, é o molho à bolonhesa que ganhou centenas de cantinas na cidade.
Nascido na Itália, na região de Emilia Romagna, sua receita pode sofrer variações, mas é composta, principalmente, de carne moída, pancetta, vinho e tomate.

NA PANELA DO CHEF
Há ragu preparado com quase tudo -e para ninguém botar defeito. E é na época de temperaturas baixas que o caldo rico cai bem, na companhia de massas secas, polentas e risotos.
No recém-aberto Tre Bicchieri, o chef Rodrigo Queiroz apresenta três opções -a de coelho exige quatro horas de cocção. "Hoje, não tem como fazer uma cozinha muito pesada. Mas não perco a origem do cozimento longo."
Também é o caso do estreante Villa Cioè, com menu assinado pela chef-consultora Ana Soares, que oferece penette com ragu de calabresa de javali e ricota seca e pappardelle servido com ragu de pato e cogumelos.
No Aldina, quatro preparos incluem um pappardelle com ragu de ossobuco.
Para quem quiser preparar o molho em casa, um conselho: esconda uma porção na geladeira e prove amanhecida. A família de dona Rosa não deixa dúvidas: cedo do dia, já sentava, à mesa, entre cumbucas.


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