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comida
Quem mexeu no meu ragu?
O molho encorpado, ideal para o inverno , é quase uma religião para os italianos, apesar do pé na cozinha francesa; conheça receitas tradicionais e variações do prato em menus da cidade
MARÍLIA MIRAGAIA
DO GUIA FOLHA
Não obstante o azul intenso do mar Tirreno estar ao alcance da janela, é na cozinha
que se passa a história de
"Sabato, Domenica e Lunedì" (sábado, domingo e segunda), dirigido por Lina
Wertmüller, com Sophia Loren como "mamma" Rosa.
Linguiça? Presunto cru?
Carne de porco? No filme,
uma polêmica que se passa
no açougue sobre a receita
do cultuado ragu dominical
quase faz a bela Loren "se esquecer de que é uma dama".
Um bocado dos livros de
cozinha explica que o termo
tem origem francesa ("ragoût") e descreve algo que incita, desperta o paladar; o
verbo "ragoûter" destina-se a
recuperar o apetite perdido.
Aveludado, o ragu é resultado de um cozimento em
que o suco de componentes
cortados em pequenas partes
-carne bovina, peixe, ave ou
legume- se desprende de
forma a criar um caldo espesso e aromático.
Para os franceses, a matéria-prima ajuda a designar o
nome da receita: "É uma gíria
que engloba vários preparos.
O de cordeiro, é chamado
"navarin", o de boi, "bourguignonne'", diz Alain Uzan,
professor do Senac e chef-consultor do Felix Bistrot.
Na Itália, assume diferentes formas, acompanhando a
produção local de alimentos.
"Toda parte tem um ragu que
apresenta a cultura regional", diz Salvatore Loi, chef
do Fasano.
No país de Loi, os vigilantes -e não as matriarcas-
têm fama de deter a melhor
receita. Isso porque, durante
o tempo de zelar pela segurança, eles permitem, sem
pressa, que o líquido evolua
na panela fumegante, tornando o resultado apurado e
saboroso.
A anedota está presente na
"Grande Enciclopedia Illustrata della Gastronomia" e
traduz outra característica do
prato: o cozimento alongado
(mais breve, com ingredientes delicados) em fogo brando. É o processo que contribui para sua consistência
mais espessa.
"Cada um interpreta a receita como quiser, a cozinha
é livre. Mas ragu que não tem
cremosidade não é ragu. O
verdadeiro, clássico, tem de
ter liga", diz Loi, sobre a densidade -que, muitas vezes, é
ignorada em restaurantes.
Comandante do Mesa III, a
chef Ana Soares, entretanto,
acredita que as inovações na
cozinha surgem mais rápido
que seu vocabulário: "A gente acaba usando, para se expressar, termos que na sua
essência têm uma definição
mais rígida; muitas vezes,
faltam palavras", afirma.
CLÁSSICO DAS CANTINAS
Na panela da "mamma"
Rosa (que atrai quem quer
que passe pela cozinha), o
que brilha é o ragu napolitano -mas ele é o primo de menos destaque da família.
O ragu "alla bolognese",
que, servido acompanhado
de tagliatelle, representa
uma das combinações mais
emblemáticas da cozinha italiana, é o molho à bolonhesa
que ganhou centenas de cantinas na cidade.
Nascido na Itália, na região de Emilia Romagna, sua
receita pode sofrer variações,
mas é composta, principalmente, de carne moída, pancetta, vinho e tomate.
NA PANELA DO CHEF
Há ragu preparado com
quase tudo -e para ninguém
botar defeito. E é na época de
temperaturas baixas que o
caldo rico cai bem, na companhia de massas secas, polentas e risotos.
No recém-aberto Tre Bicchieri, o chef Rodrigo Queiroz apresenta três opções -a
de coelho exige quatro horas
de cocção. "Hoje, não tem como fazer uma cozinha muito
pesada. Mas não perco a origem do cozimento longo."
Também é o caso do estreante Villa Cioè, com menu
assinado pela chef-consultora Ana Soares, que oferece
penette com ragu de calabresa de javali e ricota seca e
pappardelle servido com ragu de pato e cogumelos.
No Aldina, quatro preparos incluem um pappardelle
com ragu de ossobuco.
Para quem quiser preparar
o molho em casa, um conselho: esconda uma porção na
geladeira e prove amanhecida. A família de dona Rosa
não deixa dúvidas: cedo do
dia, já sentava, à mesa, entre
cumbucas.
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