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CINEMA
Crítica/"Linha de Passe"
Filme se opõe ao "cinema de pobre"
Com aspecto documental, "Linha de Passe" retrata universo dos "sem esperança" e reforça humanismo de Walter Salles
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não convém a Walter
Salles (com ou sem
Daniela Thomas) ser
um novo Glauber Rocha. Hoje
está bem claro que ele está mais
perto de ser um novo Roberto
Santos: um humanista por excelência. É nessa direção que
vai a maior parte de sua obra,
inclusive "Linha de Passe",
uma espécie de oposto simétrico do "cinema brasileiro de pobre" -hoje tão em voga.
Na trama, Cleuza, a mãe (papel que deu a Sandra Corveloni
prêmio de melhor atriz em
Cannes, que poderia se estender ao elenco central), trabalha
como faxineira e representa,
com seus filhos, o universo dos
"sem esperança" da grande cidade. Dinho é trabalhador e
evangélico. Dario aspira tornar-se jogador profissional de
futebol. O mais velho, Dênis, é
um motoboy "bon vivant". O
caçula é o inquieto Reginaldo.
O que os autores do filme fazem é quase tomar o espectador pela mão para mostrar-lhe
esse mundo, o dos pobres, que
na fantasia da classe média freqüentadora de cinemas existe,
basicamente, para colocar em
risco seus bens e vidas.
O respeito com que Salles e a
co-diretora Daniela Thomas
observam os personagens é tocante (quase exagerado, por vezes). Ao tratar de Dinho, o
evangélico, nenhum sinal de
sarcasmo: respeita-se o crente
e sua crença. Salles evita a tentação, entre outras, de ver no
pastor um vigarista.
O mesmo, em linhas gerais,
aplica-se aos demais protagonistas. Esse núcleo se constitui,
é verdade, a poder de lugares-comuns. No caso, não é uma deficiência. Considerando a variedade dos tipos, os lugares-comuns importam pela eficácia
que imprimem à narração.
Veia documental
O mais, a medula deste filme,
vem em grande parte de seu aspecto documental. Exemplos:
os aspirantes a futebolistas
aproximando seus rostos de
um guichê, declinando os nomes e idades; os fiéis cantando
na igreja; as motos enfrentando
as rudezas do trânsito.
Devido, em boa parte, à força
desse aspecto documental, temos a sensação de que os protagonistas podem, a qualquer
momento, pagar um preço
muito alto por seus pequenos
pecados -e isso está muito longe de ser idealização.
No final, "Linha de Passe"
tem um preço a pagar pela facilidade com que envolve o espectador. Se a fluência da narração o leva a superar mesmo
algumas fraquezas do roteiro
(como a cena em que Dario é
dopado pelos garotos ricos), no
final os lugares-comuns aparecem para cobrar a conta: as soluções encontradas para parte
dos conflitos sofrem da necessidade de satisfazer a uma visão
preconcebida -o que as leva a
parecer por vezes arbitrárias.
Por conta disso, o terço final
do filme dá umas patinadas,
embora não chegue a perder a
estima que até então conquistara, o que acontece devido ao
fato de "Linha de Passe" manter um norte, que coincide com
uma antiga preocupação de Salles: a ausência e busca do pai.
Os filhos do filme dividem-se
entre aqueles que procuram o
pai (Dinho busca-o em Deus;
Reginaldo, nos motoristas de
ônibus) e os que não buscam.
Os primeiros são os mais bem-sucedidos, isto é, encaminham
seu desfecho com mais força e
naturalidade que os demais.
LINHA DE PASSE
Produção: Brasil, 2008
Direção: Walter Salles e Daniela
Thomas
Quando: estréia hoje no Espaço Unibanco, Reserva Cultural e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: ótimo
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