São Paulo, sábado, 5 de setembro de 1998

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DEBATE
No lançamento de "Uma Vida em Trânsito', escritor chileno fala ainda que a esquerda de seu país pare de mentir
Spielberg é o Donald dos 90, diz Dorfman

CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

O escritor chileno Ariel Dorfman quer que a esquerda latino-americana pare de mentir sobre o regime militar. "Nós nos mentimos muito no Chile, mas agora é hora de enfrentar a verdade. Dizer, por exemplo, que Salvador Allende foi morto é uma mentira. Ele se suicidou", disse Dorfman.
O escritor participou na última quinta-feira de um debate na Folha, ao lado do também escritor Moacyr Scliar, com mediação do editor da Ilustrada, Sérgio Dávila. O debate foi promovido pelo jornal e pela editora Objetiva, que está lançando no Brasil a autobiografia de Dorfman, "Uma Vida em Trânsito".
Scliar concordou com o escritor chileno sobre os exageros da esquerda, quando narra os fatos da ditadura militar. "Eu me lembro que os stalinistas diziam que há verdades reacionárias e mentiras progressistas", disse o colunista da Folha. "A gente não sabia mais quando estava inventando ou dizendo a verdade."
Um dos capítulos do livro de Dorfman é dedicado a "reconhecer" o suicídio de Allende. A oposição ao general Augusto Pinochet dizia que, na verdade, ele havia sido morto pelos militares durante o golpe.
Dorfman também acha que a ida de Pinochet ao Senado, onde vai ocupar uma cadeira vitalícia, tem seu valor. "Significa que uma parte do povo chileno o aceita como profeta do capitalismo moderno, do consumismo."

Mortes
O escritor chileno desmentiu ainda o número de mortos estimado pela esquerda em seu país. "Não houve 100 mil mortos, houve 3.500, e já é muito. Um morto já seria demasiado", disse. "Vão me criticar por dizer isso, mas minha tarefa é dizer a verdade. Ou não teremos possibilidade de enfrentar a direita."
No debate, Ariel Dorfman contou histórias de seus exílios, fugindo do regime militar na Argentina e no Chile, e falou da importância da comunicação e da linguagem para a manutenção da paz no planeta -apesar dos paradoxos que isso representa.

Instrumento de sobrevivência
"Eu proclamo o uso do idioma como instrumento de sobrevivência no mundo globalizado. Mas compartir o mesmo idioma não é garantia de que o outro não irá eliminá-lo. Os judeus alemães são um exemplo disso", afirmou.
Para ele, "a verdadeira paz só vem quando se reconhece o outro como diferente. Para isso, é preciso saber usar as palavras certas".

Pato Donald
Ele fez uma releitura de seu livro mais famoso, "Para Ler o Pato Donald", uma crítica ao contexto subliminar da história em quadrinhos de Walt Disney.
"Não renego nada que tenha escrito, mas não voltaria a dizer algumas coisas porque o mundo mudou muito, o livro pertence ao momento em que foi feito", disse.
Questionado sobre quem seria o Pato Donald dos anos 90, no sentido que fala o livro, Dorfman não hesitou em responder: "Steven Spielberg. Ele possui um conceito de fazer filme que não deixa margem às contestações".



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