São Paulo, sábado, 5 de setembro de 1998

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INDEPENDÊNCIA
Arquivo morto da Prefeitura de Bragança Paulista escondia documentos do início do século passado
Papéis históricos são achados no interior de SP

IVAN FINOTTI
da Reportagem Local

Centenas de documentos da época do Brasil Colônia e do Brasil Império, passando pela Independência, foram encontrados por acaso durante uma limpeza no arquivo morto da Prefeitura de Bragança Paulista (80 km ao norte de São Paulo).
Os papéis ainda não foram analisados por historiadores, por isso não há uma dimensão exata de seu valor histórico. A Folha, entretanto, teve acesso a alguns deles e apurou, junto a historiadores, que não são inéditos.
"Apesar de não serem inéditos, não deixam de ser interessantes", afirma o historiador e professor da USP Nicolau Sevcenko.
Os documentos mais antigos -a maioria feita de papel de trapo e encontrada em perfeito estado de conservação- datam de 1808. Os mais novos do pacote são de 1890.
Em uma carta encontrada, o príncipe regente d. João, recém- chegado ao Brasil, manda o governador de Minas Gerais iniciar uma guerra contra índios antropófagos, que comiam carne humana (leia quadro nesta página).
Outros, endereçados à Câmara da Vila Nova Bragança (nome da cidade à época), informam mudanças significativas no reino.
É o caso de um manuscrito de setembro de 1822, em que José Bonifacio de Andrada e Silva -conselheiro de dom Pedro 1º- avisa às autoridades da vila que a bandeira nacional havia mudado.
Afinal, a independência havia sido proclamada e uma bandeira brasileira precisava substituir a portuguesa.
Para Sevcenko, os papéis "mostram a mudança de um conceito. É o esforço do governo colonial em reverter o contato das vilas com a metrópole em Lisboa para um contato com o Rio de Janeiro como metrópole".
"Esses devem ser os primeiros documentos que atestam essa reversão da autoridade", diz o historiador.
Os papéis foram encontrados há cerca de um mês, pelo chefe do Arquivo Central de Bragança, José Galileu de Mattos, 51.
Estavam há décadas no porão do museu da cidade, junto com balancetes dos gastos da prefeitura e jornais velhos. Há alguns meses, o museu entrou em obras -será reinaugurado em novembro- e a papelada foi levada para o Arquivo Central.
Foi dando uma ordem nesse material que Mattos descobriu os documentos centenários. "Quando o Reinaldo (Dias, secretário da Cultura de Bragança) abriu o pacote, até tremeu", conta.
O secretário, que é sociólogo, explica a causa da tremedeira: "Abri em uma página qualquer e dei de cara com a assinatura do José Bonifacio! Foi emocionante".
"Ainda não temos idéia do valor histórico dos documentos, mas sabemos que, para Bragança, eles são inestimáveis", afirma.
Apesar de ter o mesmo nome da casa real portuguesa, a cidade de Bragança não tinha nenhuma ligação direta com a corte.
"O nome é apenas uma homenagem", explica o secretário.
Os documentos passarão agora por uma limpeza e serão acondicionados em embalagens adequadas -pastas de papel neutro.
O fato de a maioria ter sido confeccionada a partir de trapos, e não celulose, é uma das razões pela qual estão em tão bom estado.
"Vou propor que venha um especialista em papel para fazer esse trabalho", diz a museóloga Giselle Paixão, 43.
Segundo ela, os documentos não podem ficar em contato com o ar, luz ou umidade, sob pena de oxidarem -a olho nu, o resultado é o amarelamento do papel.


Colaborou Lilian Christofoletti, da Folha Campinas



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