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LIVROS/LANÇAMENTOS
"CONVERSAS COM CORTÁZAR"
Obra é guia para outros textos do escritor
Entrevistas iluminam os fantasmas do autor argentino
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se Jorge Luis Borges foi o
mais admirado dos escritores
argentinos, Julio Cortázar (1914-84) foi certamente o mais amado,
e "Conversas com Cortázar" ajuda a entender por quê.
Nas longas entrevistas concedidas ao jornalista uruguaio Ernesto González Bermejo, o autor de
"Bestiário" põe em evidência todas as principais características
que tornaram sua obra tão viva e
afetivamente tão próxima de seus
leitores: o prazer da invenção, o
humor sofisticado, a aversão aos
dogmas e formalidades, a concepção da literatura como jogo, a
crença quase metafísica no poder
transformador da linguagem.
O livro, lançado em espanhol
em 1977, é um excelente guia para
acompanhar a leitura dos livros
de Cortázar, iluminando a gênese
de muitos deles -como "O Jogo
da Amarelinha", "62 - Modelo para Armar", "Octaedro" e "O Livro
de Manuel"- e esboçando um
estudo da complexa personalidade criadora do escritor.
Está ali, por exemplo, uma explanação detida da idéia cortazariana do fantástico como uma espécie de dimensão ainda pouco
explorada da realidade cotidiana.
Daí a diferença básica entre o fantástico de Cortázar e o de Borges,
autor a quem admirava pela lição
de rigor e precisão.
"Os geniais contos fantásticos
de Borges, como "O Jardim dos
Caminhos que se Bifurcam" e
muitos outros, apresentam um
fantástico inteiramente dissociado do real. (...) O meu fantástico
invadiu o cotidiano desde o princípio. Além disso, ele é o cotidiano", diz o entrevistado.
"Para mim, o fantástico é, simplesmente, a indicação súbita de
que, à margem das leis aristotélicas e da nossa mente racional,
existem mecanismos perfeitamente válidos, vigentes, que nosso cérebro lógico não capta, mas
que em certos momentos irrompem e se fazem sentir."
O que Cortázar buscava, como
escritor, era desenvolver uma certa porosidade que propiciasse o
acesso a essa dimensão. Ele via em
sua atividade literária um componente quase parapsicológico.
Essa tendência -o mais correto
talvez fosse dizer vocação-, contudo, convivia em Cortázar com
uma profunda consciência da forma, das exigências construtivas
do fazer literário.
Leitor assíduo dos franceses,
dos russos e dos anglo-saxões,
combatia a herança verborrágica,
untuosa, deixada pelos espanhóis
nas letras latino-americanas.
"O estilo é uma certa tensão, e se
chega a essa tensão através da redução do texto ao absolutamente
necessário. Imagine a aranha e
sua teia. Ela vai tirando franjas daqui e dali até que faz da teia um
modelo de tensão. A má literatura
está cheia de franjinhas. É literatura com franjas."
O fascinante em Cortázar é a
maneira como essa aguda consciência crítica, alimentada por
uma respeitável erudição, desbasta e dá forma a um jorro criativo
quase milagroso, capaz de inventar, por exemplo, seres tão estranhos -e ao mesmo tempo tão
palpáveis- quanto os "cronópios" e os "famas".
Em torno dessa equação central
giram as paixões e idiossincrasias
aparentemente tão díspares do
escritor: a idéia do acaso, o interesse pelos arquétipos junguianos, a aproximação com a filosofia oriental (em particular o Vedanta e o Zen), o amor ao jazz, a
crença nos vampiros e, "last but
not least", a militância política de
esquerda.
Tudo isso é exposto com muita
verve e humor nessas conversas.
Conversas com Cortázar
Autores: Julio Cortázar e Ernesto
Gonzáles Bermejo
Tradutor: Luís Carlos Cabral
Editora: Jorge Zahar
Quanto: R$ 18 (132 págs.)
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