|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Em "Tropa de Elite", Padilha transforma a platéia em algoz
Diretor subverte narrativa clássica para colocar espectador no banco dos réus
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Rios de tinta e quilos de
bytes já foram gastos na
defesa e acusação de
"Tropa de Elite" desde que o filme se tornou fonte de alegria
de camelôs país afora. Agora
que os produtores adiantaram
sua estréia, pode-se assistir à
versão final, que de fato difere
da existente nas cópias piratas.
A primeira impressão é a de
um filme de ação muito bem
executado, que segue cânones
do gênero, conduzindo a platéia a torcer pelo protagonista
por meio do sempre eficiente
mecanismo de identificação.
Sob essa perspectiva, o filme
chegou a ser interpretado por
Plínio Fraga, em artigo nesta
Ilustrada no último dia 27, como "desumano e autoritário" e
de conduzir à "legitimação da
tortura". Em suma, "Tropa de
Elite" recorreria à espetacularização da violência para satisfazer impulsos sanguinários da
platéia, que vibra e aplaude.
Um interpretação menos
emocional, contudo, exige certo recuo, que encontra um sólido ponto de partida na perspectiva oferecida pela revisão do
documentário "Ônibus 174",
trabalho anterior do diretor José Padilha.
Nele, ao reconstituir a trajetória do menino de rua Sandro
do Nascimento, o diretor obtinha um justo resultado no que
se refere à genealogia do crime,
mas não só. Um dos mais interessantes aspectos daquele trabalho consistia em fazer ver como Sandro transformou-se em
ator principal e encenador de
um espetáculo.
Em "Tropa de Elite", Padilha
retoma a idéia de espetáculo
para desmontá-la diante dos
nossos olhos, na medida em
que o espectador é subtraído do
papel de vítima e associado ao
lugar do algoz.
Ao se transferir do documentário para o filme ficcional, pode-se apontar certas fragilidades e tiques do diretor, como o
uso da câmera na mão e os cortes rápidos na edição histérica,
recursos de um "realismo" codificado do cinema contemporâneo, de "Cidade de Deus" a
"Supremacia Bourne".
Filme em três atos
Mas tais efeitos não comprometem a inteligente estrutura
do relato de "Tropa de Elite" da
maneira clássica como foi articulado. Em três atos, a trama
investe, primeiro, na rede de
cumplicidades crime-sociedade-polícia, depois, descreve o
processo de constituição da
mentalidade de extermínio dos
integrantes do Bope e, finalmente, expõe de maneira explícita seus métodos de ação.
O recurso ao modo clássico
serve para subverter os mecanismos de identificação e revelar à platéia de onde parte o desejo de vingança. Pois o fio condutor da trama é o personagem
Nascimento, marido e pai de família carinhoso, indivíduo padrão de classe média e, ao mesmo tempo, executor frio de
ações de tortura e matança.
A tese, se há uma no filme de
Padilha, não é que os "burgueses" alimentam o tráfico por
meio do consumo de drogas,
mas que a brutalidade do Bope
é a realização de nossos desejos
de extermínio.
O plano final do filme, contudo, é que concentra sua maior
ameaça: com um fuzil apontado para nossa cara, somos retirados da confortável posição de
voyeurs e colocados na incômoda cadeira dos réus.
TROPA DE ELITE
Direção: José Padilha
Produção: Brasil, 2007
Com: Wagner Moura, Caio Junqueira, André Ramiro e Maria Ribeiro
Quando: em cartaz nos cines Bristol, Unibanco, Iguatemi e circuito
Avaliação: ótimo
Texto Anterior: A violência policial no cinema brasileiro Próximo Texto: O que já se falou Índice
|