São Paulo, domingo, 05 de outubro de 2008

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O pintor de Obama

Preso 15 vezes por suas intervenções nas ruas, Shepard Fairey alavanca os preços de suas obras após apoiar o democrata, mas nega ser "artista oficial'

Fotos Divulgação
Shepard Fairey em seu ateliê, nos EUA

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Shepard Fairey tem orgulho de sua última ida à cadeia. O artista foi preso em Denver há pouco mais de um mês por colar cartazes pró-Barack Obama durante a Convenção Nacional do Partido Democrata. "A gente estava de preto e tinha os bolsos cheios de adesivos do Obama; os policiais me chamaram de anarquista", conta o artista em entrevista à Folha, por telefone, de Los Angeles.
Não é a primeira vez -é, na verdade, a 15ª- que Fairey, um dos nomes mais conhecidos da "street art" no mundo, é preso por vandalismo, mas não havia encarado a ira das autoridades desde que virou o artista oficial da campanha do candidato democrata à Casa Branca, episódio que romantiza para evitar a pecha de "artista do sistema".
Isso porque ele ficou conhecido nos anos 80 por liderar uma das primeiras campanhas da chamada "arte de guerrilha" na história. Estampando o rosto do lutador francês de vale-tudo André, o Gigante num cartaz com a palavra "obey" (obedeça), Fairey fez uma crítica de alcance mundial à propaganda, e isso usando tática e estética dos regimes totalitários.
Mas também são dele as linhas fortes e cores gritantes dos pôsteres que servem de respaldo imagético à campanha de Obama -críticos ressaltam até a semelhança fonética entre as palavras "obey" e "Obama" nos desenhos.
O retrato estilizado do candidato, em azul, vermelho e branco, com a mesma herança propagandista da cara do lutador André, foi criado por Fairey para, nas palavras dele, "apelar ao rebanho ludibriado" de eleitores norte-americanos.
Como se não bastasse Obama sozinho, Fairey tem colado o clássico "Obey" ao lado da figura do candidato, numa mensagem que apoiadores do Partido Republicano consideram uma estratégia enviesada de manipular a opinião pública.
"O "Obey" tem a ver com comunicação", responde Fairey. "É triste precisar de uma imagem para dar força aos candidatos, mas estamos lidando com uma população apática, que não faria nada se não tivesse um estímulo visual."

Herança maldita
As diretrizes estilísticas desse estímulo Fairey encontrou na iconografia com que os republicanos e o norte-americano médio antipatizam. A imagem de Obama fitando o horizonte, envolto nas cores radiantes da bandeira americana, tem inspiração declarada no célebre retrato de Che Guevara feito por Alberto Korda.
"Ele achou o ângulo perfeito, e o Che tem esse corte de cabelo, esse casaco "cool", tudo isso que parece rebelde, mas o mais importante é o olhar voltado para o futuro, que é o que eu fiz com o Obama", conta Fairey.
Sem contar ainda as relações com o realismo socialista -retratos de Lênin e Stalin-, todos na mesma paleta acachapante e traços de denso minimalismo.
Tanto que chegou a circular na internet um manifesto de conservadores associando Fairey aos ideais comunistas. O documento, que dizia trazer os "fatos" sobre o pôster de Obama, tinha até um desenho que o artista fez do russo Vladimir Putin, por encomenda da revista "Time", como "prova" de sua ligação com "vermelhos".
"Dizer que a imagem é socialista é só um argumento político para amedrontar as pessoas", relativiza Fairey, que se defendeu das acusações do manifesto em seu blog. "Eu gosto de tudo, de Sex Pistols a construtivismo soviético, há muitas influências ali", diz o artista. "Só fiz uma imagem poderosa."
É verdade, no entanto, que dirigentes da campanha pediram que Fairey mudasse a primeira versão do pôster. No lugar da inscrição "progress", que julgaram "socialista demais", pediram que o artista escrevesse "hope" (esperança) e depois "change" (mudança), as duas palavras-chave para Obama.
Mesmo tendo atendido à demanda, Fairey se diz um artista independente e nega qualquer envolvimento oficial com a política ou ambição de ocupar um cargo público. "A estratégia é me infiltrar no sistema e fazer mudanças de dentro para fora", diz. "Sou independente demais para a política da política."
E a independência rende. Obama ganhando ou perdendo, é certo que a incursão eleitoral de Fairey alavancou seus preços. Terminou ontem em San Francisco uma individual do artista com todas as obras arrematadas -acostumado a vender cartazes a US$ 75, chegou a abocanhar US$ 85 mil por um trabalho, valor que "nem eu", ele diz, poderia pagar.


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