Título argentino "Perramus" troca humor político por aventura que recupera cultura latino-americana

PEDRO CIRNE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Nem só de risadas vivem os quadrinhos argentinos. Embora as HQs do país vizinho publicadas no Brasil remetam ao humor, seja ele social ("Mafalda", de Quino), lírico ("Macanudo", de Liniers) ou comportamental (as mulheres alteradas de Maitena), há muito mais do lado de lá da fronteira. E um desses títulos faz sua estreia no Brasil: a aventureira "Perramus", escrita por Juan Sasturain e ilustrada por Alberto Breccia.
A série "Perramus" foi publicada nos anos 80 na revista argentina "Fierro" e depois editada em quatro livros. Este que sai no Brasil é o último volume, "Dente por Dente". O protagonista é um aventureiro que atende pelo apelido de Perramus, marca da capa de chuva que ele usa. Ele não sabe seu nome: quando começa a primeira história, ele está com amnésia e seu trabalho é lidar com corpos de vítimas de ditaduras da América Latina.
Se nas primeiras aventuras Perramus encontra a América "oculta" das ditaduras, em "Dente por Dente" a democracia já foi reestabelecida e a história não tem o simbolismo político das anteriores, mas nem por isso deixa de abordar o tema da cultura e da identidade da América Latina.
Nesta história, Perramus é convocado para uma missão estranha: recuperar os dentes perdidos do ícone do tango, Carlos Gardel. Na HQ, o cadáver de Gardel foi mutilado e dez de seus dentes foram vendidos e estão espalhados pelo mundo.
Cabe a Perramus e dois amigos resgatá-los para, simbolicamente, "recuperar o sorriso do povo argentino".
Também simbólico e estranho são os dois líderes por trás da missão: os escritores Gabriel García Márquez e Jorge Luis Borges (que, no universo de "Perramus", não morreu e ainda foi agraciado com o Prêmio Nobel de Literatura).
Outras figuras históricas participam da HQ, que não se preocupa em ser fidedigna com a realidade, como o cubano Fidel Castro, outro ícone latino-americano. Por sua vez, Frank Sinatra, talvez por ser norte-americano, é retratado de maneira nada lisonjeira.
Com a publicação de "Perramus" neste ano, assim como de "Che - Os Últimos Dias de um Herói", lançado no ano passado, pode ser que o mercado brasileiro de quadrinhos esteja caminhando para trazer mais HQs argentinas. Como obras como "El Eternauta", "Sherlock Time" e "Mort Cinder" permanecem inéditas no país, resta ao leitor brasileiro aguardar e torcer.