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CRÍTICA
Filme busca entender solo comum das religiões
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local
"Fé": o título deste filme já tem
algo de desconcertante, é ao mesmo tempo lacônico e incisivo, vago e afirmativo demais. O documentário de Ricardo Dias só faz
confirmar essa sensação.
O diretor age um pouco como
um antropólogo estruturalista,
investiga a diversidade religiosa
do Brasil para buscar o ponto cego em que as diferenças se resolvem em semelhança. Seu tema é
de fato a fé, a atitude religiosa, o
substrato comum às diferentes
religiões e correntes místicas.
Deixamos o filme com a sensação de que há um sistema de equivalências ou de homologias entre
as religiões e, mais do que isso,
com a sensação de que a cultura,
com suas diferenças e arbitrariedades, afinal se dissolve numa espécie de ordem natural. É nesse
sentido que Dias se assemelha
mais a um antropólogo do que a
um historiador. Parece lhe preocupar mais o que há de sincrônico
nas religiões do que sua dispersão
diacrônica, mais o universal do
que suas evoluções particulares.
Trata-se, sem dúvida, de um
dos grandes filmes brasileiros dos
últimos anos. Mas não chega a ser
um retrato de época, um documentário capaz de apreender, por
exemplo, a novidade histórica
que representa tanto a ascensão
das igrejas neopentecostais quanto a sua contrapartida católica, a
explosão da corrente carismática.
O filme é anterior a Marcelo Rossi, mas também não há registro
dos cultos de Edir Macedo, que
impediu o diretor de filmá-los.
Isso o separa das obras-primas,
como é por exemplo "Cabra Marcado Para Morrer" (1984), de
Eduardo Coutinho. Ali, vamos
encontrar na dispersão de uma
família após o golpe de 64 e na reconstituição das vidas desencontradas dos filhos separados o sentido profundo do impacto do regime militar depois de 20 anos
-história individual e coletiva se
imbricam. "Fé" não dá esse passo.
Ricardo Dias vai do geral ao
particular, das missas, procissões,
cultos e romarias ao registro íntimo dos fiéis diante do sagrado.
Há talvez no filme depoimentos
demais e demasiadamente repetitivos, mas há também imagens
belíssimas e passagens muito comoventes. As cenas de uma sessão espírita, da reação de familiares diante de uma suposta mensagem de um filho que morreu, são
cortantes, de tirar o fôlego.
O ponto alto de "Fé", porém,
são as imagens do Vale do Amanhecer, seita próxima de Brasília
que mistura signos e procedimentos de todas as religiões, uma
combinação indiscriminada do
high-tech com o arcaico, de luzes
neon com ritos africanos. Ali o
delírio da fé tem algo de impostura kitsch, ali estamos próximos de
uma imagem contemporânea e
muito incômoda do Brasil.
Avaliação:
Filme: Fé
Diretor: Ricardo Dias
Produção: Brasil, 1999
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
eInterlar Aricanduva
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