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Chega ao Brasil "Bubos no Paraíso", livro que descreve os burgueses-boêmios dos EUA
A nova elite vai ao Paraíso
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando os jornalistas tentam
definir apressadamente o surgimento de uma nova "tribo", descrevendo um grupo urbano a partir de seus comportamentos,
acompanhado do inevitável glossário que utilizam, a chance de
que a coisa naufrague é grande.
Era esse o caminho de David
Brooks, jornalista de Washington, quando resolveu escrever um
artigo com as impressões que colhia sobre novos contornos da sociedade americana, ao voltar de
quatro anos e meio no exterior.
Mas o que seria um texto curto,
que ele publicaria em uma das revistas com as quais colabora, cresceu. Cresceu de uma tal forma
que Brooks, 40, percebeu que não
haveria caminho que não fosse
transformá-lo em livro.
Assim nascia "Bobos in Paradise". Publicado em 2000, e só agora
lançado aqui, pela editora Rocco
(como "Bubos no Paraíso"), o livro que descrevia a "a nova classe
alta e como chegou lá" fez um estrondo na sociedade americana.
Fundindo as palavras "bohemians" (boêmios) e "bourgeois"
(burgueses), o jornalista detectava uma nova elite. Os manda-chuvas da era da informação juntariam a "rebeldia" da geração
dos anos 60, de Woodstock, com
o "almofadismo" dos yuppies dos
anos 80, retratados em "Fogueira
das Vaidades", de Tom Wolfe.
Na entrevista à seguir, feita por
telefone, Brooks comenta as características dos "bubos" e faz um
balanço de como eles estão dois
anos depois de seu "nascimento".
Leia trechos a seguir.
Folha - Em 2000 o sr. detectou
uma nova elite americana, a que
deu o nome de "bubos". Como estão esses "burgueses boêmios"
dois anos depois?
David Brooks - A tendência essencial, de que as pessoas com
educação hoje têm muito mais dinheiro e que a elite hoje é uma baseada em cérebro, ainda com estilo boêmio e rendimentos burgueses, não mudou. Diria que a partir
do ano passado, porém, eles ficaram um pouco menos confiantes
de que eles eram donos do mundo. Em 1998 parecia que Bill Gates
estava criando um mundo. Agora, com a nova situação econômica e com o 11 de setembro, o universo não parece central.
Folha - Mas os "bubos" não morreram, correto?
Brooks - Certamente não. As
pessoas que dirigem os Estados
Unidos não vêm de famílias tradicionais, com dinheiro antigo. Eles
são realizadores jovens, altamente
educados em boas universidades.
Folha - O que afetou mais a cultura "bubo", o 11 de setembro ou os
escândalos financeiros envolvendo
empresas como a Enron, cujo presidente já foi descrito como um protótipo do "bubo"?
Brooks - Nos anos 90 havia uma
atitude de rebeldia, você deveria
quebrar regras. As pessoas da
Enron seguiram esses preceitos e
ultrapassaram vários limites. Obviamente não se pode quebrar as
regras assim. Esse caso mostrou
muito sobre os excessos. Com o
colapso da economia ponto.com
também se diminuiu o dinheiro
que as pessoas tinham para gastar. O 11 de setembro entra de outra forma nessa história, para
mostrar que ainda há mal no planeta e de que a idéia "bubo" de
que vivemos em harmonia, que
poderíamos nos esquecer de governantes e política e simplesmente pensar em computadores e
internet era irreal.
Folha - Como os "bubos" reagem,
por exemplo, com a ameaça de
uma guerra no Iraque?
Brooks - Acho que eles estão nervosos, mas são favoráveis. Hoje,
vale dizer, não há a agitação dos
movimentos pacifistas que existia
quando os "bubos" eram jovens.
Há uma ansiedade silenciosa.
Folha - Em seu livro, ao fazer uma
enumeração de "bubos", o sr. começa a lista com Bill Clinton e termina com George W. Bush. O sr.
pensa que o atual presidente dos
EUA é um burguês-boêmio?
Brooks - Não, eu estava errado
sobre ele. Não há nada de "boêmio" nele. Ele é puro burguês, como se a década de 60 nunca houvesse existido. Foi isso que aprendi nesses últimos dois anos.
Folha - O sr. se arrepende de mais
alguma coisa que tenha escrito?
Brooks - Não. Se você vir os padrões de consumo sobre os quais
escrevi eles se mantém, os gostos
também. Uma mudança sutil nesses últimos dois anos é que os ricos hoje são mais pró-Democratas do que eram há dois anos.
Folha - Qual o tamanho do universo sobre o qual o sr. escreve.
Quantos "bubos" o sr. estima que
existam hoje nos EUA?
Brooks - Pelos meus cálculos seriam uns 6 milhões, uma população que ganha anualmente mais
de US$ 100 mil, sobretudo localizados nas costas Leste e Oeste dos
Estados Unidos.
Folha - O sr. descreve o "bubo"
como um fenômeno dos EUA. Os
"bubos" não estão por toda parte?
Brooks - Depois que lancei o livro percebi que sim. Em todas as
partes que fui me disseram que lá
também existem milhares de "bubos", sobretudo na França, onde
o termo "bubo" se incorporou
com grande força no cotidiano.
Folha - O sr. escreve no início do
livro que se considera também um
"bubo". Quão "bubo" é o sr. hoje?
Brooks - O que quis dizer é que
quando descrevia, por exemplo,
como muitas pessoas "bubos" viviam estava descrevendo também
como eu e vários amigos meus vivemos. Assim como ridicularizo
algumas coisas dessa geração eu
ridicularizaria a mim mesmo.
Folha - Por que o sr. afirma que as
guerras mundiais influenciaram
mais o comportamento sexual dos
americanos do que Woodstock?
Brooks - Aprendi isso em uma
conferência mundial sobre sexualidade. Especialistas no tema afirmam que ter ido lutar e mudado
suas vidas afetou muito mais suas
sexualidades do que imagens midiáticas dos 60 e 70. Se você assiste
filmes dessa época pode ter a impressão de que as mudanças foram muito mais profundas do
que foram na vida real.
Folha - O sr. já declarou que seu
próximo livro será sobre a estupidez norte-americana. Como anda o
projeto?
Brooks - É um trabalho sobre a
imagem que as pessoas têm sobre
uma América média, muito materialista e pouco reflexiva. É um
trabalho sobre por que a América
é capaz de gerar tanta riqueza.
Mas o livro está atrasado. Só deve
sair em 2004. Quero mostrar que
somos menos estúpidos do que
parecemos muitas vezes. Nem tudo é Homer Simpsons, grandes
mercados, churrascos com grandes grelhas, futebol americano.
BUBOS NO PARAÍSO - Autor: David
Brooks. Tradução: Ryta Vinagre. Editora:
Rocco. Quanto: R$ 32 (268 págs.).
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