São Paulo, terça-feira, 05 de novembro de 2002

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Chega ao Brasil "Bubos no Paraíso", livro que descreve os burgueses-boêmios dos EUA

A nova elite vai ao Paraíso

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando os jornalistas tentam definir apressadamente o surgimento de uma nova "tribo", descrevendo um grupo urbano a partir de seus comportamentos, acompanhado do inevitável glossário que utilizam, a chance de que a coisa naufrague é grande.
Era esse o caminho de David Brooks, jornalista de Washington, quando resolveu escrever um artigo com as impressões que colhia sobre novos contornos da sociedade americana, ao voltar de quatro anos e meio no exterior.
Mas o que seria um texto curto, que ele publicaria em uma das revistas com as quais colabora, cresceu. Cresceu de uma tal forma que Brooks, 40, percebeu que não haveria caminho que não fosse transformá-lo em livro.
Assim nascia "Bobos in Paradise". Publicado em 2000, e só agora lançado aqui, pela editora Rocco (como "Bubos no Paraíso"), o livro que descrevia a "a nova classe alta e como chegou lá" fez um estrondo na sociedade americana.
Fundindo as palavras "bohemians" (boêmios) e "bourgeois" (burgueses), o jornalista detectava uma nova elite. Os manda-chuvas da era da informação juntariam a "rebeldia" da geração dos anos 60, de Woodstock, com o "almofadismo" dos yuppies dos anos 80, retratados em "Fogueira das Vaidades", de Tom Wolfe.
Na entrevista à seguir, feita por telefone, Brooks comenta as características dos "bubos" e faz um balanço de como eles estão dois anos depois de seu "nascimento". Leia trechos a seguir.

Folha - Em 2000 o sr. detectou uma nova elite americana, a que deu o nome de "bubos". Como estão esses "burgueses boêmios" dois anos depois?
David Brooks -
A tendência essencial, de que as pessoas com educação hoje têm muito mais dinheiro e que a elite hoje é uma baseada em cérebro, ainda com estilo boêmio e rendimentos burgueses, não mudou. Diria que a partir do ano passado, porém, eles ficaram um pouco menos confiantes de que eles eram donos do mundo. Em 1998 parecia que Bill Gates estava criando um mundo. Agora, com a nova situação econômica e com o 11 de setembro, o universo não parece central.

Folha - Mas os "bubos" não morreram, correto?
Brooks -
Certamente não. As pessoas que dirigem os Estados Unidos não vêm de famílias tradicionais, com dinheiro antigo. Eles são realizadores jovens, altamente educados em boas universidades.

Folha - O que afetou mais a cultura "bubo", o 11 de setembro ou os escândalos financeiros envolvendo empresas como a Enron, cujo presidente já foi descrito como um protótipo do "bubo"?
Brooks -
Nos anos 90 havia uma atitude de rebeldia, você deveria quebrar regras. As pessoas da Enron seguiram esses preceitos e ultrapassaram vários limites. Obviamente não se pode quebrar as regras assim. Esse caso mostrou muito sobre os excessos. Com o colapso da economia ponto.com também se diminuiu o dinheiro que as pessoas tinham para gastar. O 11 de setembro entra de outra forma nessa história, para mostrar que ainda há mal no planeta e de que a idéia "bubo" de que vivemos em harmonia, que poderíamos nos esquecer de governantes e política e simplesmente pensar em computadores e internet era irreal.

Folha - Como os "bubos" reagem, por exemplo, com a ameaça de uma guerra no Iraque?
Brooks -
Acho que eles estão nervosos, mas são favoráveis. Hoje, vale dizer, não há a agitação dos movimentos pacifistas que existia quando os "bubos" eram jovens. Há uma ansiedade silenciosa.

Folha - Em seu livro, ao fazer uma enumeração de "bubos", o sr. começa a lista com Bill Clinton e termina com George W. Bush. O sr. pensa que o atual presidente dos EUA é um burguês-boêmio?
Brooks -
Não, eu estava errado sobre ele. Não há nada de "boêmio" nele. Ele é puro burguês, como se a década de 60 nunca houvesse existido. Foi isso que aprendi nesses últimos dois anos.

Folha - O sr. se arrepende de mais alguma coisa que tenha escrito?
Brooks -
Não. Se você vir os padrões de consumo sobre os quais escrevi eles se mantém, os gostos também. Uma mudança sutil nesses últimos dois anos é que os ricos hoje são mais pró-Democratas do que eram há dois anos.

Folha - Qual o tamanho do universo sobre o qual o sr. escreve. Quantos "bubos" o sr. estima que existam hoje nos EUA?
Brooks -
Pelos meus cálculos seriam uns 6 milhões, uma população que ganha anualmente mais de US$ 100 mil, sobretudo localizados nas costas Leste e Oeste dos Estados Unidos.

Folha - O sr. descreve o "bubo" como um fenômeno dos EUA. Os "bubos" não estão por toda parte?
Brooks -
Depois que lancei o livro percebi que sim. Em todas as partes que fui me disseram que lá também existem milhares de "bubos", sobretudo na França, onde o termo "bubo" se incorporou com grande força no cotidiano.

Folha - O sr. escreve no início do livro que se considera também um "bubo". Quão "bubo" é o sr. hoje?
Brooks -
O que quis dizer é que quando descrevia, por exemplo, como muitas pessoas "bubos" viviam estava descrevendo também como eu e vários amigos meus vivemos. Assim como ridicularizo algumas coisas dessa geração eu ridicularizaria a mim mesmo.

Folha - Por que o sr. afirma que as guerras mundiais influenciaram mais o comportamento sexual dos americanos do que Woodstock?
Brooks -
Aprendi isso em uma conferência mundial sobre sexualidade. Especialistas no tema afirmam que ter ido lutar e mudado suas vidas afetou muito mais suas sexualidades do que imagens midiáticas dos 60 e 70. Se você assiste filmes dessa época pode ter a impressão de que as mudanças foram muito mais profundas do que foram na vida real.

Folha - O sr. já declarou que seu próximo livro será sobre a estupidez norte-americana. Como anda o projeto?
Brooks -
É um trabalho sobre a imagem que as pessoas têm sobre uma América média, muito materialista e pouco reflexiva. É um trabalho sobre por que a América é capaz de gerar tanta riqueza. Mas o livro está atrasado. Só deve sair em 2004. Quero mostrar que somos menos estúpidos do que parecemos muitas vezes. Nem tudo é Homer Simpsons, grandes mercados, churrascos com grandes grelhas, futebol americano.


BUBOS NO PARAÍSO - Autor: David Brooks. Tradução: Ryta Vinagre. Editora: Rocco. Quanto: R$ 32 (268 págs.).


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