São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Artista permanece símbolo da vertente formalista da MPB

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde a aparição do menino-prodígio de uma segunda dentição da bossa, a trajetória de Edu Lobo tem sido sucessão de guinadas fortes, embora pouco perceptíveis ao olho público.
O artista que progrediu rumo à discrição ampla, geral e irrestrita já foi, acredite, um pop star. Garotão que casava sofisticação artística e atributos físicos, disputou com garra a preferência popular na avassaladora era dos festivais.
A primeira guinada aconteceu após o intervalo 65-67, anos de supremacia da canção de protesto, que em Edu se traduziu em pesquisa dos ritmos e saberes nordestinos e manifestos indignados de protesto nacional-popular.
Chamou-se tropicalismo a guinada. A partir dela, a MPB rachou entre a corrente formalista (de Edu, de Chico Buarque, de Elis Regina, do já desaparecido Geraldo Vandré) e a outra, para a qual virtuosismo musical seria quanto muito um quesito entre vários.
A resposta de Edu foi um afastamento progressivo do estrelato histérico que seduzia ídolos tão diversos como Chico, Caetano Veloso, Rita Lee e Roberto Carlos.
A pedra de toque desse segundo Edu é o álbum de 73, que cuspia resposta em latim à sanha censora da ditadura. No meio de toadas já postas fora de moda pela tropicália (como a literal "Viola Fora de Moda"), Edu avisava com uma missa em latim que estava sendo amordaçado. E "Edu Lobo" formava, com "Milagre dos Peixes" , de Milton Nascimento, e "Amazonas", de Naná Vasconcelos, a trinca de discos "mudos" mais eloqüentes da história do Brasil ditatorial.
A missa breve repercutiu em introspecção crescente, que elaborou momentos assombrosos de boa música formalista -"Uma Vez um Caso" (76), "Lero-Lero" (78), o LP com Tom Jobim.
O ápice com Jobim remeteria a outra gigantesca virada: a partir da coalizão com Chico, virou compositor de trilhas sonoras escondido quase sempre por trás de outros intérpretes. Só em 94 voltaria a aparecer como dono único de um disco, agora já em fase independente, de projeção limitada.
Pequeno mistério da MPB, o porquê da aversão ao estrelato por parte de um de seus mais consistentes astros musicais nos anos 60 talvez estivesse dentro dele próprio, de sua rigidez, intransigência e ojeriza ao "estrangeiro".
Mas nem isso seria suficiente para uma explicação integral. Um de seus momentos mais meigos e espantosos pode ser encontrado no LP gringo "Sergio Mendes Presents Edu Lobo" (70): uma versão cantarolada, brasileiríssima, quase tropicalista, de "Hey Jude", dos Beatles. Hoje, Caetano e Gil parecem mais Edu que Edu -o primeiro como intérprete formalista de canções em espanhol e inglês, o segundo como político esquerdista. Edu Lobo? Edu Lobo permanece Edu Lobo e nos mantém na contínua espera de suas canções rígidas, belas e aguerridas.


Texto Anterior: Viola fora de moda
Próximo Texto: Outros lançamentos - Anarquia roqueira: No Descompasso do Transe Retalhos do Meu Silêncio
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.