São Paulo, sexta-feira, 05 de novembro de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Claire Denis recusa o discurso panfletário

"Minha Terra, África", da diretora francesa, retrata choque entre o francês e o "outro" em contexto colonialista

RICARDO CALIL
CRÍTICO DA FOLHA

É uma injustiça que a francesa Claire Denis raramente seja lembrada nas discussões sobre os grandes cineastas contemporâneos. Porque ela vem construindo discretamente uma das obras mais sólidas e singulares do cinema de hoje.
Um de seus poucos filmes a ser lançado comercialmente no Brasil, "Minha Terra, África" não está entre os maiores trabalhos de uma carreira que inclui obras-primas como "Bom Trabalho" (1999) e "Desejo e Obsessão" (2001). Mas oferece uma experiência muito superior à média da oferta do circuito.
Ex-assistente de Wim Wenders, Denis retorna a um de seus temas preferidos: o choque entre o francês e o "outro".
Algo que já estava insinuado em "Bom Trabalho", nas memórias do expedicionário da Legião Estrangeira que liderou tropas na África. Ou em "35 Doses de Rum", no retrato do cotidiano de um imigrante africano e sua filha.
Em "Minha Terra, África", a ação se passa em um país não identificado, devastado pelo confronto entre o governo e rebeldes.
Em meio ao fogo cruzado, encontra-se Maria Vial (Isabelle Huppert), mulher branca que se recusa a abandonar suas plantações de café ou a reconhecer o perigo que ameaça sua família.

TALHADO NO CORPO
Enquanto ela aceita abrigar um líder rebelde em sua casa e vê seu filho perder a sanidade com a situação, seu ex-marido André (Christopher Lambert) negocia com uma autoridade local, pelas costas de Maria, uma forma de vender a plantação e fugir.
Como de hábito no cinema de Denis, o drama individual se amalgama ao político. E o drama, no caso, é o do deslocamento: Maria se vê como africana, mas é enxergada como francesa -como ocorreu, por exemplo, com os "pied-noirs" que colonizaram o norte da África.
Mas não espere de um filme de Denis qualquer coisa remotamente panfletária -ou mesmo didática.
Adepta de um cinema antes sensorial que discursivo, que confia mais nas imagens do que nas palavras, a política interessa à cineasta desde que possa ser talhada no corpo de seus personagens.
E o rosto de Huppert, como um monumento em ruínas, diz mais sobre o fantasma do colonialismo do que dezenas de teses acadêmicas.
Recusar o panfletário não significa abdicar de uma posição política. O olhar de Denis pode não ser óbvio, mas é claro -e as dedicatórias do filme não deixam dúvidas. A cineasta está do lado dos órfãos -seja a mulher branca que não quer abandonar a terra que ama, sejam os garotos africanos que perderam os pais na guerra.

MINHA TERRA, ÁFRICA

DIREÇÃO Claire Denis
PRODUÇÃO França, 2009
COM Isabelle Huppert e Christopher Lambert
ONDE no Reserva Cultural
CLASSIFICAÇÃO não informada
AVALIAÇÃO ótimo


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