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Pompéia, a cidade-fantasma, sepultada viva
CARLOS HEITOR CONY
do Conselho Editorial
Foi pouco depois do
meio-dia: não devia haver folhinha na época, mas, se houvesse, em alguma loja estaria
marcada a data: 24 de agosto
de 79. Estavam longe os tempos das lutas entre etruscos, fenícios, gregos e romanos pela
posse da cidade. O mundo vivia a "pax" de Augusto, as cidades não fechavam suas portas. Pouco antes, nascera numa província de Roma um judeu que ainda não incomodava a potência e o prazer do império. Pompéia era isso mesmo: a cidade destinada ao prazer dos romanos da alta classe
média.
De repente, o Vesúvio cuspiu
fogo, pedras e cinzas. Dos 20
mil habitantes da cidade, mais
de 2.000 morreram na hora. A
morte surpreendeu a cidade
num instante de sua verdade:
o padeiro abandonou a massa
em cima da mesa, o guarda
não teve tempo de fechar o depósito das armas, os mercadores da Via dell'Abbondanza
deixaram suas ânforas com vinho, azeite e mel em cima do
balcão. A cinza e a pedra adormeceram o momento de uma
cidade. Tácito deixou pequena
referência à tragédia, recebera
carta de Plínio, o Moço, narrando o desaparecimento de
seu tio, Plínio, o Velho, que por
acaso estava com a sua esquadra nas imediações de Nápoles
e tentou ajudar a cidade que
submergia no pó escaldante.
Bela adormecida, Pompéia
repousou 15 séculos sem que
ninguém soubesse o seu local
exato. Até que, em 1594, o arquiteto Domenico Fontana resolveu construir um aqueduto
que levasse água do rio Sarno
até Torre Annunziata, um subúrbio napolitano. Os operários cavavam a terra cor de
chumbo quando um deles encontrou um buraco, depois ruínas com inscrições.
Pompéia era uma cidade de
grafites, alguns políticos, outros comerciais, a maioria pornográficos. Mas ninguém teve
certeza de que se tratava da
antiga Colônia Cornelia Veneria e a cidade continuou adormecida até que, em 1748, o rei
Carlos de Bourbon, desejando
recuperar algumas obras de
arte que já se encontravam semidescobertas, iniciou o trabalho das escavações.
A partir de 1860, Giuseppe
Fiorelli começou a pesquisa arqueológica. Pouco a pouco,
Pompéia foi despindo sua túnica de cinza para surgir aos
olhos atônitos do homem moderno como um fantasma que
deixa a sepultura, redivivo e
imortal.
É muito mais do que a múmia de uma cidade. Morta, ela
continua viva, apenas abandonada por seus habitantes. O
anfiteatro e a arena ainda parecem prontos para o espetáculo. À saída do teatro, uma espécie de lanchonete tem os balcões estrategicamente situados
para vender refrescos e cachorros-quentes. E se, depois de distrair o espírito, alguém desejasse distrair a carne, não precisava perguntar pelo bordel:
era só seguir a direção apontada pelos falos de pedra e ia dar
lá. Bastava pegar a Via degli
Augustali e dobrar à direita no
Vincolo del Lupanare, onde se
situa o próprio.
É uma casa relativamente
pequena, com quartos embaixo e em cima. Pompéia recebia
forasteiros que atravessavam
os cinco mares que banham a
Península Itálica para se deliciarem na Riviera daquele
tempo, a bela Partenope, que
mais tarde se transformaria na
divertida Nápoles de hoje. Evitando equívocos, cada prostituta colocava em cima de sua
cama um interessante quadrinho que ilustrava a sua especialidade sexual. A imagem já
valia 10 mil palavras e aquilo
funcionava como um símbolo
universal, pois as línguas variavam, mas o desejo era o
mesmo.
Rica na arquitetura, nos
deuses e nas artes, Pompéia era
pobre em imaginação: apenas
seis modalidades de sexo,
quando o Kama Sutra oriental
reuniu 48 maneiras de se praticar o pecado da carne. (Bem
verdade que o Ocidente lavou
a égua mais tarde, no Concílio
de Trento, quando os padres
conciliares conseguiram catalogar a extraordinária marca
de 369 variações).
As casas formam um capítulo
à parte na vida de Pompéia. As
mais bonitas têm o "pluviarium" à entrada e o "lararium" onde se cultuava o nume tutelar e donde se originou
a idéia física do lar. A mais bela de todas -segundo os entendidos- é a casa do Fauno
Dançante, mas outras há de
igual garbo e idêntica formosura. A Casa de Menandro, onde foi encontrado um tesouro
em prata. A Casa dei Vettii,
com seus afrescos vermelhos,
negros e dourados. A Casa de
Cornélio Rufo e a Vila dos Mistérios são também conjuntos
notáveis.
Cada visitante que chega a
Pompéia pode escolher a sua
casa. Para aqueles que se formaram (ou se desinformaram)
no culto aos clássicos, a mais
emocionante talvez seja a Casa
do Poeta Trágico. Não pela casa em si, mas pela inscrição
que ali foi colocada: "Cave canem". Cuidado com o cão. Há
2.000 anos serve de exemplo
para a regência do verbo. Poderia ser, também, "cave hominem" -cuidado com o homem.
Cada peregrino que deixa
Pompéia, ao sacudir de suas
sandálias o pó de 20 séculos,
leva dentro de si alguma coisa
de novo com gosto de antigo.
Ambos ficam por conta das
ruínas. Tal como as estrelas do
poeta, é preciso amá-las para
entendê-las.
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