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CRÍTICA
Eastwood trata a culpa como moeda de troca
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Dado o enredo, é preciso dizer que este não importa
muito: nem ao autor original da
história, Dennis Lehane, novo
"enfant terrible" da literatura policial americana, nem ao diretor
Clint Eastwood. Embora tenha
desperdiçado algumas das melhores passagens do romance de
Lehane, o roteirista Brian Helgeland soube se ater, em sua adaptação homônima, ao essencial: a
teia das relações.
A teia das relações e a intercambialidade da culpa que dela resulta, eis uma característica própria
dos filmes de Hitchcock que esta
obra de Eastwood retoma. A culpa é a moeda de troca do filme,
passada de um personagem a outro, do prólogo à sequência final.
Não é preciso dizer que, ao fim e
ao cabo, todos terminam culpados, ou melhor, culposos.
Eastwood não é Hitchcock, mas
tenta, à sua maneira, certamente
mais direta e emocional, menos
cerebral que a do mestre inglês,
superar os limites do "whodunit"
para alcançar a dimensão do simbólico. E, se acaba recaindo no
"whodunit", no ideal de verdade
do cinema americano, é para retomar, ao final, o simbólico, condenando (duplamente) essa outra
obsessão americana que é a de fazer justiça pelas próprias mãos.
Difícil imaginar o que teria levado o filósofo francês Jacques Rancière a constatar, em artigo publicado no Mais!, que Eastwood
constrói discurso homólogo ao da
doutrina Bush -talvez o estranho discurso à la Lady Macbeth
da mulher de Jimmy (Sean Penn).
A lógica do roteiro, no entanto,
parece contrariar tais conclusões:
Eastwood não apenas evidencia a
impossibilidade da vingança e o
equívoco de se pretender fazer
justiça em causa própria, como
também demonstra o quanto um
ato de violência pode se propagar,
o quão danosos podem ser seus
efeitos (algo cíclicos) pelo tempo.
Sobre Meninos e Lobos
Mystic River
Produção: EUA, 2003
Direção: Clint Eastwood
Com: Sean Penn, Kevin Bacon, Tim
Robbins
Quando: a partir de hoje nos cines
Bristol, Anália Franco e circuito
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