São Paulo, domingo, 05 de dezembro de 2004

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Robert Crumb ilustra ode ao blueseiro desconhecido

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

"Eu adoro música. No entanto, não sou um grande músico. No máximo, arranho um banjo ou um violão. Para mim, a música é o maior dos prazeres, com o sexo." Foi com essas duas coisas na cabeça -e ocasionalmente uma pastilha de LSD durante os anos 60- que Robert Crumb criou uma das obras mais importantes do quadrinho americano.
Música para ele, que fique claro, são "só" aquelas velhas canções caipiras da América negra registradas em discos de 78 rotações das décadas de 20 e 30.
Toda a paixão do quadrinista pela cultura crua de seus ancestrais está registrada em "Blues", antologia de HQs, pôsteres e capas de discos que Crumb criou em homenagem a seus heróis, como Robert Johnson, Tommy Johnson e um quase desconhecido Charley Patton.
Colocando na ponta do pincel o resultado de suas peregrinações por sebos e armários dos antigos bairros negros do Mississippi, o quadrinista, que tem pavor pela música moderna e não por acaso se refugiou em um vilarejo ao sul da França, traça um retrato anedótico ao mesmo tempo da cultura rural daquela época e dos primórdios quase artesanais daquilo que viria a ser a poderosa indústria fonográfica americana.
Mais que uma declaração de amor ao estilo, "Blues" é também uma tentativa desesperada do artista de gritar mais alto que as big bands de Duke Ellington, os musicais da Broadway, o rock psicodélico de Jimi Hendrix e a soul music dos artistas da Motown.
"A cultura moderna é assim. Há tamanha pressão para vender as novidades que aquilo que as precede acaba sendo sepultado sem remorso. Não se ganha dinheiro repetindo as velhas coisas do passado", escreve no posfácio do livro o autor de "As Velhas Canções São as Melhores", "É a Vida" e "Onde Foi Parar Toda Aquela Música dos Nossos Avós?".
Incorrigivelmente político, Crumb entrega seu interesse por esse tipo específico de blues exatamente pelo que ele reunia de mais subversivo: as festas populares, as mulheres que entravam e saíam da vida desses artistas (ou seria o contrário?) e o sentimento anti-cristão que despertavam nos puritanos fervorosos da época.
Na maioria inéditas no Brasil, as HQs de "Blues" foram reunidas pela primeira vez na coletânea "Crumb Draws the Blues", lançada em 93 pela Last Gasp. Já os pôsteres e encartes -incluindo os da banda de Crumb Cheap Suit Serenaders e de sua amiga Janis Joplin- já foram compilados em edições francesas e holandesas.


BLUES. Autor: Robert Crumb. Tradução: Daniel Galera. Editora: Conrad. Quanto: R$ 45 (108 págs., capa dura, cor).



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Criatividade com superpoderes

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