São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

País corre risco de levar "vazio" a Veneza

MÁRCIA FORTES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Muito já se falou e publicou sobre esta que ficou conhecida como a Bienal do Vazio, que deixou vazio um andar inteiro do prédio da Bienal. Prós e contras à parte, acho mesmo que já é hora de deixarmos a discussão sobre essa Bienal e voltarmos o foco para outra questão: o pavilhão do Brasil na próxima Bienal de Veneza, que será inaugurada em 4 de junho de 2009. Afinal, essa Bienal de São Paulo já está vazia mesmo, falem o que quiserem, mas a oportunidade de "enchê-la" já era, passou.
O problema premente agora é outro e, se não o encararmos imediatamente, perigamos perpetuar um conceito e apresentarmos em Veneza o "Pavilhão do Vazio". Vamos lá. Para quem não sabe, a Bienal de São Paulo foi fundada em 1950 nos moldes da Biennale di Venezia, cujo formato inclui uma mostra coletiva central ladeada por pavilhões nacionais, onde diversos países apresentam por conta própria um ou mais artistas.
Aqui em São Paulo, isso acabou com a 27ª Bienal, quando a curadora Lisette Lagnado e seus co-curadores aboliram as representações nacionais optando pelo coletivismo geral -criando assim um modelo mais contemporâneo para a Bienal de São Paulo, que foi seguido nesta atual edição. A Bienal de Veneza, por sua vez, mantém o modelo e lidera o ranking das grandes bienais de arte até os dias de hoje.
Retrógrada ou não, fato é que hordas de amantes da arte voam para Veneza a cada dois anos para ver a Bienal, fazendo filas que serpenteiam ao redor dos pavilhões de países como EUA, Alemanha e Inglaterra.

Convite-roubada
Sob o intenso sol italiano de junho, artistas, curadores, críticos e colecionadores de arte contemporânea (boa parte deles vestidos de preto como se estivessem no asfalto urbano de Nova York) circulam de um pavilhão ao outro vendo, vivenciando e comentando a arte apresentada por cada país.
E é nesse momento que a história vai se reescrevendo nas páginas da arte contemporânea; são nos pavilhões de Veneza que os gênios se afirmam, os talentos se confirmam, sucesso e fama se propagam. Uma boa apresentação em Veneza pode render o resto da carreira de determinado artista. Assim como uma má apresentação pode ser fatal.
No total, 29 países mantêm pavilhões nos Giardini em Veneza. Existem outros, mas estes estão fora da área nobre dos Giardini. É claro que o Brasil não deixaria por menos: mantém seu pavilhão ali, de arquitetura moderna e com piscina nos fundos, próximo ao pavilhão de Israel.
E é aí que começam nossos problemas: o pequeno prédio está sedento por uma reforma já há algumas edições da Bienal, perderam-se as letras que diziam "Padiglione Brasile". A não ser que o governo brasileiro -através da Fundação Bienal de São Paulo que é a instituição responsável pela representação nacional na Bienal de Veneza- tenha patrocinado a tal reforma de 2007 para cá, as condições do nosso Pavilhão em junho de 2009 deverão estar ainda piores. Bem deprê.
Mas a batata quente mesmo é a arte. Cadê ela, o que esperar da arte de nosso país em Veneza? Até o momento, nem todos os países indicaram seus artistas, mas ao menos anunciaram os curadores/comissários responsáveis pela seleção dos artistas. O Brasil, nem isso.
Mesmo que se anunciem curador esta semana, e que este faça convite oficial ao artista na semana que vem, já seria o chamado "convite-roubada". Imagine a pressão: o pobre do artista irá representar o seu país na maior das bienais mundiais, mas terá menos de quatro meses para ter uma grande idéia, propor e conseguir aprovação da mesma por parte do curador, captar boa parte do dinheiro para sua produção (pois, como sabemos, a Fundação Bienal não tem sido exatamente eficaz na captação de recursos) e produzir a obra.
Digo menos de quatro meses porque tudo terá que estar finalizado até meados de março, pois certamente não haverá fundos para um transporte aéreo e a obra deverá seguir de navio do porto de Santos até a bela Venezia, cumprindo uma via sacra de cerca de dez semanas entre os primeiros papéis requeridos pela burocracia brasileira e o aporte em solo ítalo.
Tudo isso com a seguinte pressão extra: nosso querido artista estará competindo (sim, a Bienal de Veneza é uma competição que premia os melhores pavilhões) com artistas do calibre de um Bruce Nauman, que representará os EUA. Enfim, seja o que Deus quiser.


MÁRCIA FORTES é jornalista e sócia da galeria Fortes Vilaça


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Artes plásticas: Performances repensam a arte pela educação
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.