São Paulo, sexta-feira, 05 de dezembro de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Conselho ocioso aos tiranos


Nenhum tirano deve manter seus adversários na prisão: deve fuzilá-los imediatamente

O ASSUNTO pode parecer cruel ou selvagem, certamente as duas coisas: é sobre a inutilidade da prisão política. Como todos sabemos, Mandela gramou 20 e tantos anos na prisão e hoje é recebido como chefe de Estado pelos governos de todas as nações, ganha estátuas, selos postais e poemas em sua homenagem -e tudo isso ele fez por merecer.
Penso em seus carcereiros, naqueles que o prenderam e o condenaram. Na realidade, construíram um mártir, e este mártir se volta agora contra eles. Pulo de Mandela para outro mártir. No mesmo domingo em que a TV mostrou o entusiasmo popular diante de Mandela, exibiu também o drama de Andrea Chénier musicado por Giordano, com Plácido Domingo no papel-título.
Não vou comentar a ópera e, sim, a inutilidade da prisão e da morte na guilhotina do maior poeta produzido pela Revolução Francesa. Robespierre sacrificou um companheiro de causa, aquele que, antes mesmo da convocação dos Estados Gerais, já pregava a Revolução em seus versos e em seu comportamento de cidadão.
Na comemoração dos 200 anos da Revolução Francesa, não houve qualquer homenagem a Robespierre, o "Grande Incorruptível". Mas suas vítimas aí estão, no panteão da humanidade: Danton, Marat, Chénier, entre outros.
Pulando da Paris de 1789 para o mundo de hoje, a inutilidade da força contra a liberdade de opinião permanece óbvia. Não adiantou aos romanos encarcerar Paulo de Tarso nem decapitá-lo: ele tornou o cristianismo universal. Não adiantou prender Fidel Castro na ilha de Pinos, depois do fracassado ataque ao quartel de Moncada. Ele foi solto e liderou uma revolução que dizimou seus adversários. Bem verdade que Fidel abriu outro capítulo na repressão e encheu cemitérios e prisões com os seus adversários.
Se a repressão é inútil, se não adianta encarcerar presos políticos, pois na maioria dos casos eles saem da prisão diretamente para o poder (e os exemplos são numerosos ao longo do tempo), o que deve ser feito, desde que alguma coisa precisa ser feita? O ideal, evidentemente, seria a não existência de repressão, de prisões, de execuções. Nem degolas, nem guilhotinas, nem "paredons". Mas os tiranos que periodicamente aparecem no cenário mundial vão pouco a pouco aprendendo a lição. Ou seja, que é inútil a prisão política. Dez, 20, 40 anos depois, o carcereiro está coberto de ignomínia e o encarcerado é catapultado para a glória e para o núcleo da história de seu tempo.
"O que fazer?", poderia perguntar um Lênin ressabiado, se levantasse agora do seu túmulo e constatasse a inutilidade de tanta e tamanha repressão contra os adversários.
A primeira idéia que me vem à cabeça -como disse acima- é cruel e selvagem. É também cínica e até certo ponto inútil, uma vez que é freqüentemente praticada. Ao inaugurar a tirania, nenhum tirano deve manter seus adversários na prisão: deve fuzilá-los imediatamente, sem julgamento nem processo, tal como na guerra: o soldado do exército azul vê o soldado do exército vermelho e não lhe pergunta o que pensa, por que pensa: vai logo matando.
É o direito da guerra. Assim também, o tirano não pode perder tempo nem correr o risco de entrar numa fria: prendeu o inimigo, de nada adianta interrogá-lo, julgá-lo e condená-lo à prisão. É mandando brasa logo, sem dar tempo à defesa, à lei ou ao sentimento. No caso de Chénier, por exemplo, seu processo voltou-se contra o tirano e hoje ele é herói, freqüenta as melhores antologias da poesia francesa, virou ópera e nos comove, três séculos depois, com a sua valentia, seu amor, sua causa libertária. Mandela aí está, festejado por multidões compactas, fazendo a cabeça do mundo.
Este "erro" não foi cometido pelos revolucionários gaúchos numa daquelas guerras complicadas de fronteira. Um regimento de provisórios (soldados não profissionais que lutavam pela causa) foi detido. Era muita gente para alimentar, vigiar e transportar. Perguntaram ao comandante vitorioso o que devia ser feito com os provisórios. Ele respondeu: "Bem, provisoriamente, vamos fuzilando".


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