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Ingo Schulze vê reunificação alemã por outros olhos
Escritor lança "Vidas Novas", romance epistolar em que assume o papel de editor das cartas de empresário fictício
Autor alemão narra vivências de personagem ambicioso para quem queda do Muro de Berlim é de certa forma "uma catástrofe"
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
O escritor Ingo Schulze e o
empresário Enrico Türmer
têm um passado em comum.
Ambos nasceram na antiga Alemanha Oriental e, após a queda
do Muro de Berlim, largaram a
carreira no teatro para atuarem
na criação de um jornal.
As semelhanças param por
aí. Türmer liderou um pequeno
império da informação e desapareceu no fim dos anos 90 em
meio a problemas fiscais, sem
concretizar ambições literárias. Schulze virou escritor premiado, com obras traduzidas
para 27 línguas, e é hoje um expoente da literatura alemã.
Em 2005, Schulze, 47, lançou
"Vidas Novas", volume composto por cartas que Türmer
enviou a pessoas próximas nos
primeiros meses de 1990 e que
traçam um retrato singular da
Alemanha pré-reunificação.
Dito isto, vale esclarecer que
Enrico Türmer nunca existiu.
O empresário é um personagem criado por Schulze -que,
aliás, assume ele próprio no romance o papel de outro personagem, o editor das cartas.
Essa intrincada realidade paralela elaborada pelo alemão
sai em português, pela Cosac
Naify, no ano em que se celebram duas décadas do momento histórico que simbolizou a
derrocada do comunismo.
"As estações na vida de Türmer correspondem às minhas,
mas as situações são inventadas. E a visão dele é bem diferente. Isso me permitiu falar
sobre um mundo que conheço,
mas vê-lo com um outro olhar",
disse Schulze à Folha por e-mail, dias antes de chegar ao
Brasil -nesta semana, ele esteve em São Paulo, no Rio e em
Brasília para falar sobre a obra.
A trama gira em torno de como Türmer absorve a nova realidade e expõe um paradoxo
que Schulze notou ao redor naqueles anos. "Türmer sempre
foi contra o Oriente, mas precisava do mundo dividido em
dois para concretizar seus sonhos. A queda do Muro é uma
catástrofe porque elimina a
chance de ele chegar ao Ocidente como "escolhido", tornando-o um cidadão comum."
O leitor da edição em português há de perceber interferências por vezes insólitas do tradutor, Marcelo Backes. Assim
como Schulze assume o papel
"antipático" do editor das cartas, coube aos tradutores de várias línguas "aproveitarem a
ficção das notas de rodapé".
"A tradução permite ampliar
a ficção editorial, enfeitá-la
ainda mais. Também tentei fazer isso a partir de um prefácio
adicional. É mais uma irritação, o que é real, o que é verdadeiro", diz Schulze.
Infantil
No Brasil, o autor lança também "Senhor Augustín", incursão pela literatura infantil. O livro trata da velhice a partir do
drama do personagem-título,
que se torna motivo de piada
para as crianças da história -e,
magoado, chega a jogar uma pedra numa delas. "O senhor Augustín não é mau, mas solitário
e desamparado. Talvez uma
história explique melhor o que
se passa dentro do outro."
VIDAS NOVAS
Autor: Ingo Schulze
Tradução: Marcelo Backes
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 89 (752 págs.)
SENHOR AUGUSTÍN
Autor: Ingo Schulze
Ilustrações: Julia Penndorf
Tradução: Irene Fehrmann
Editora: Cosac Naify
Quanto: R$ 42 (40 págs.)
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