São Paulo, sábado, 06 de janeiro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TELEVISÃO

Ao completar 35 anos de sua emissora de TV, a organização mapeia trajetória desde 1911 e planeja livro e site

Projeto Memória faz auto-retrato da Globo

ANTONIO CARLOS DE FARIA
DA SUCURSAL DO RIO

Ao completar 35 anos de sua rede de TV, as Organizações Globo resolveram escrever a própria história, abordando fatos ocorridos a partir de 1911, quando Irineu Marinho, pai de Roberto Marinho, inicia a trajetória do maior grupo de comunicações do país.
O auto-retrato, chamado Projeto Memória, vem sendo construído por sete pesquisadores e dez universitários e em 2000 gastou R$ 500 mil com entrevistas, levantamento e preservação de documentos em tecnologia digital.
A equipe é coordenada pela historiadora Sílvia Fiuza: "Nós procuramos superar a visão empobrecedora de que os meios de comunicação são externos à sociedade e funcionam como elementos de manipulação. Para nós, eles refletem a sociedade".
Sob esse viés, a Globo descreve o acordo firmado com o grupo norte-americano de comunicações Time-Life, em 62, como um contrato de cooperação técnica e não como uma associação comercial.
Graças a essa transação, em 26 de abril de 65, a então TV Globo Ltda. iniciava suas transmissões, ao som de "Moon River", no Rio.
Entre 30 de março e 22 de agosto de 66, uma Comissão Parlamentar de Inquérito concluiu que era inconstitucional a aliança entre Globo e Time-Life, por configurar a participação estrangeira numa empresa nacional.
Apesar das contestações, o governo militar permitiu que o projeto prosseguisse. O acordo com o grupo americano durou até 71.
Personagem central dessa história, o americano Joseph Wallach, ex-diretor-superintendente da Globo, é esperado em 2001 no Brasil, quando deve ser entrevistado pelo Projeto Memória.
O projeto já ouviu 97 depoimentos, desde figuras públicas na estruturação da Globo, como José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, (Boni), até personagens como Mauro Salles, primeiro diretor de jornalismo da emissora.
Wallach chegou ao Rio em 65 para ser o homem da Time-Life no Brasil. Quando o contrato com a Globo foi desfeito, ele se naturalizou brasileiro e ficou na Globo até 80. Ainda retornou ao país para implantar a Globosat, entre 91 e 93. Seu depoimento vai figurar no livro sobre a história das Organizações Globo que está sendo preparado, mas não tem data definida para publicação.
Os planos incluem também a criação de um site na Internet.
Nele será possível navegar por uma linha do tempo, acompanhando fatos ocorridos a partir de 1911, quando Irineu Marinho fundou o jornal "A Noite", que precedeu "O Globo", criado em 25. Irineu morreu 20 dias após colocar em funcionamento seu segundo jornal. Foi sucedido por Roberto Marinho, então com 20 anos.
Os depoimentos e documentos recolhidos pelo Projeto Memória trazem desde bastidores de novelas até reiterações de fatos conhecidos, para os quais se busca novos enfoques de interpretação.
Um dos focos da pesquisa é o "Jornal Nacional", que foi ao ar pela primeira vez em 69 e era feito sob a chancela de censores, que atuavam na sede da emissora.
Os cortes dos censores, relata Sílvia, eram feitos na edição.
O caráter oficial do telejornalismo, com o qual a emissora cunhou uma imagem de apêndice do regime militar, é contraposto às tentativas de inovação na teledramaturgia, como a novela "O Bem Amado", que propunha temas políticos e sociais sob a aparência de crônica de costumes.
Essa relação com o poder teve raros lapsos de enfrentamento. O mais célebre foi em 27 de agosto de 75, quando Cid Moreira leu um editorial antes do "Jornal Nacional", escrito por Roberto Marinho. Diante da audiência que já alcançava cerca de 40 milhões de pessoas, o apresentador leu o texto que explicava que a Censura Federal havia proibido a veiculação da próxima novela das 20h e exigia mudanças no roteiro.
Diante disso, a Globo preferia cancelar o projeto, e "Roque Santeiro" só seria recuperada, em novo formato, dez anos depois.
O Projeto Memória ainda não entrou na fase de interpretação dos dados recolhidos. Falta dar a versão para outros momentos polêmicos, como a campanha das Diretas-Já (84), quando a Globo ignorou o início do movimento.
"O trabalho do historiador é fazer uma reflexão sobre diversas visões do mesmo fato. No nosso projeto, não temos limitações que nos imponham apenas uma delas", diz Sílvia.



Texto Anterior: Walter Salles: Uma visita ao set de Scorsese
Próximo Texto: Levantamento cataloga dados dos programas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.