São Paulo, sábado, 06 de janeiro de 2001 |
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Obra inverte modo de ver estilo do autor FRANCESCA ANGIOLILLO DA REDAÇÃO A aldeia de Stiepântchikov pertence por herança -terra e habitantes, como acontecia na Rússia czarista, onde vigiam relações feudais entre proprietários rurais e seus servos- a um coronel reformado, Iegor Ilitch Rostaniov. Tais relações se mantêm tranquilas até que, ao enviuvar, a mãe de Iegor Ilitch se muda para sua casa, levando consigo uma trupe de familiares e agregados -entre os quais Fomá Fomitch Opískin, o grande antagonista da ação no romance "A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes", de Fiodor Dostoiévski (1821-1881). Tão logo nota ter alguma supremacia intelectual sobre as simplória "almas" do povoado, o ex-bufão Fomá torna-se o soberano de fato de Stiepântchikov. A história é narrada por Sergei, sobrinho do coronel Iegor Ilitch, que chega à casa do tio sem ter noção do que se passa na aldeia. A figura do agregado, representada em Fomá, é praticamente uma instituição da Rússia pré-soviética. Especialmente na zona rural, como explica o professor de russo e teoria literária da USP Boris Schnaiderman, 83. "Quase todos tinham seus pingentes, que viviam à custa da família." A atitude opressiva do "amigo da família" (nome que o romance tem em certas traduções) é descrita de modo bem-humorado. "Todo mundo está acostumado ao Dostoiévski analista de almas e emoções", diz Luiz Baggio, 45. Além de "A Aldeia de Stiepântchikov" não existir no catálogo nacional das obras de Dostoiévski, foi pela veia irônica que Baggio decidiu publicar o livro. Para o editor, o romance -escrito após o período em que o autor foi mandado para a Sibéria (1854-1859)- inaugura "novas formas de expressão" em Dostoiévski. De fato, "leve" e "engraçado" não são adjetivos muito associados ao autor, mais lembrado por textos angustiados, como "Crime e Castigo" (1866). Já a visão do professor Schnaiderman difere da de seu ex-aluno Baggio. "Dostoiévski é, com muita frequência, irônico. Bakhtin (crítico, 1895-1975) o classificava como "sério cômico': mesmo nos romances mais trágicos existe uma nota cômica. Muitas vezes o leitor não vê porque fica impressionado com a tragédia." Tradutora do volume lançado pela Nova Alexandria, a russa Klara Gourianova, 68, resume: "Parece humorística, mas, de perto, vê-se como é complexa". Ela enxerga a tragédia de "A Aldeia de Stiepântchikov" no contraponto entre Iegor e Fomá. "Um é crédulo demais, ingênuo e puro; o outro vem da humilhação e toma as rédeas da situação. É trágico, tanto para um como para o outro." Talvez a grande especificidade de "A Aldeia de Stiepântchikov e Seus Habitantes" seja possibilitar inverter a leitura que normalmente se faz da obra de Dostoiévski. Em vez de um texto densamente psicológico, de cujas entrelinhas sobressai a ironia, o autor constrói uma narrativa quase teatral; as descrições cedem lugar a diálogos que chegam ao cômico, dos quais se depreendem as intrincadas nuances das personalidades de seus interlocutores. Texto Anterior: FOLHA INÉDITOS O amigo russo e as almas aldeãs Próximo Texto: Suplemento adianta trechos desde 1997 Índice |
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