São Paulo, quinta-feira, 06 de janeiro de 2005

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MÚSICA

Primeiro álbum de Dom Um Romão, que voltou a produzir discos inéditos nos anos 90, ganha edição em formato digital

Relançamento de CD reaviva samba-jazz

RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Estamos no começo dos anos 60. Enquanto alguns jovens preparam uma revolução aprendendo a tocar violão e cantando baixinho, ouvindo discos de João Gilberto, outros fomentam revolução de igual importância, manejando instrumentos como pianos, saxofones e trompetes e ouvindo o que de mais moderno se fazia no jazz americano, sem excluir o samba da equação. Se a bossa nova era adepta do cool, o samba-jazz vinha do hard bop.
Nos últimos anos, praticamente todas as gravadoras brasileiras aproveitaram a recente onda de relançamentos e revisitaram seus catálogos, colocando nas lojas, finalmente no formato digital, alguns discos que contam a história do nascimento do samba-jazz. O mais recente (re)lançamento do estilo é o álbum "Dom Um", do importante baterista Dom Um Romão.
"O samba-jazz era uma maneira jazzística de tocar samba", diz o saxofonista JT Meirelles, um dos mais representativos instrumentistas do período. "Já se tocava samba de maneira jazzística antes, nos anos 50, mas depois chegou uma turma nova, com uma mistura diferente, com mais influência do jazz moderno. Nós ouvíamos todos os discos da gravadora Blue Note e assimilávamos aquilo."
O crítico e produtor Zuza Homem de Melo, que em 2003 escalou o reformulado Copa 5 de Meirelles para se apresentar no Tim Festival, tem visão semelhante. "É uma música instrumental brasileira que adotou o improviso de forma mais declarada, com mais proximidade da linguagem do bebop. Todos os músicos daquela geração tinham uma ligação com o jazz e entendiam a linguagem do estilo. O interesse deles pela improvisação foi a mola propulsora do samba-jazz."
Mais do que simplesmente "bossa nova instrumental", como às vezes é definido superficialmente, o samba-jazz era um gênero próprio, com características e peculiaridades. Instrumental, bem mais pesada que a bossa nova, muito improvisada, era música desenvolvida em "jam sessions" em lugares como os bares do minúsculo Beco das Garrafas, em Copacabana, ou a boate Baiúca, no centro de São Paulo.
Representante da vertente paulista, Amilton Godoy, pianista do Zimbo Trio, relembra: "Na época, os músicos mais preparados e evoluídos eram os que gostavam de jazz e tocavam com aquele suíngue, improvisando. Até que, em certo momento, nós não precisávamos mais de temas americanos, tínhamos toda a música brasileira à disposição. Nós nos aproveitamos da riqueza e da valorização harmônica que a bossa nova nos deixou, mas tocávamos "pra fora", extrovertendo aquele intimismo da bossa".
Essa descoberta da fórmula ideal, somando a animação e o improviso do jazz com a riqueza harmônica e melódica da bossa, mais uma infinidade de boas composições, fez com que o estilo ganhasse força, personalidade e relevância artístico-histórica. "Se os jazzistas americanos tivessem tido a oportunidade de ouvir os discos do samba-jazz, provavelmente teriam reconhecido aquilo como uma vertente do jazz, tão válida quanto o hard bop ou o cool. Até porque o clima é de samba, mas o som é mais pesado, mais forte, muito original", avalia Ruy Castro, autor dos livros "Chega de Saudade" e "A Onda que se Ergueu no Mar", sobre a bossa nova (e, conseqüentemente, o samba-jazz).
Naturalmente, não demorou, na época, para essa cena chegar aos ouvidos dos produtores. Em pouco tempo, os mesmos músicos que passavam seu tempo tocando pelo prazer de improvisar com outros instrumentistas estariam acompanhando e fazendo arranjos para cantores como Elis Regina, Jorge Ben e Dóris Monteiro. O próximo passo era gravar seus próprios álbuns, e foi o que aconteceu. Surpreendentemente, houve, por um tempo, uma febre por aquele tipo de som, e todas as gravadoras correram para fazer seus LPs, geralmente com formações de sexteto ou o básico trio piano-baixo-bateria.
Como Dom Um Romão, que já tinha experiências de sobra quando gravou seu disco de estréia. Um dos três mais importantes bateristas da cena samba-jazz (os outros dois são Edison Machado e Milton Banana), Dom Um tem o currículo mais impressionante. Ex-membro do conjunto de Sergio Mendes, já havia gravado até em disco do importante saxofonista americano Cannonball Adderley. Ainda nos anos 60, participou de discos históricos, como o trabalho de estréia de Jorge Ben e o clássico álbum registrando o encontro de Tom Jobim com Frank Sinatra. Nos anos 70, chegou a lançar discos solo por gravadoras americanas e tocar em conjuntos como Weather Report. Depois de algum tempo sem gravar, voltou a produzir álbuns inéditos nos anos 90. E agora seu primeiro álbum finalmente ganha edição em CD.


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