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MÚSICA
Primeiro álbum de Dom Um Romão, que voltou a produzir discos inéditos nos anos 90, ganha edição em formato digital
Relançamento de CD reaviva samba-jazz
RONALDO EVANGELISTA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Estamos no começo dos anos
60. Enquanto alguns jovens preparam uma revolução aprendendo a tocar violão e cantando baixinho, ouvindo discos de João Gilberto, outros fomentam revolução de igual importância, manejando instrumentos como pianos,
saxofones e trompetes e ouvindo
o que de mais moderno se fazia
no jazz americano, sem excluir o
samba da equação. Se a bossa nova era adepta do cool, o samba-jazz vinha do hard bop.
Nos últimos anos, praticamente
todas as gravadoras brasileiras
aproveitaram a recente onda de
relançamentos e revisitaram seus
catálogos, colocando nas lojas, finalmente no formato digital, alguns discos que contam a história
do nascimento do samba-jazz. O
mais recente (re)lançamento do
estilo é o álbum "Dom Um", do
importante baterista Dom Um
Romão.
"O samba-jazz era uma maneira
jazzística de tocar samba", diz o
saxofonista JT Meirelles, um dos
mais representativos instrumentistas do período. "Já se tocava
samba de maneira jazzística antes, nos anos 50, mas depois chegou uma turma nova, com uma
mistura diferente, com mais influência do jazz moderno. Nós
ouvíamos todos os discos da gravadora Blue Note e assimilávamos aquilo."
O crítico e produtor Zuza Homem de Melo, que em 2003 escalou o reformulado Copa 5 de Meirelles para se apresentar no Tim
Festival, tem visão semelhante. "É
uma música instrumental brasileira que adotou o improviso de
forma mais declarada, com mais
proximidade da linguagem do bebop. Todos os músicos daquela
geração tinham uma ligação com
o jazz e entendiam a linguagem
do estilo. O interesse deles pela
improvisação foi a mola propulsora do samba-jazz."
Mais do que simplesmente
"bossa nova instrumental", como
às vezes é definido superficialmente, o samba-jazz era um gênero próprio, com características e
peculiaridades. Instrumental,
bem mais pesada que a bossa nova, muito improvisada, era música desenvolvida em "jam sessions" em lugares como os bares
do minúsculo Beco das Garrafas,
em Copacabana, ou a boate Baiúca, no centro de São Paulo.
Representante da vertente paulista, Amilton Godoy, pianista do
Zimbo Trio, relembra: "Na época,
os músicos mais preparados e
evoluídos eram os que gostavam
de jazz e tocavam com aquele
suíngue, improvisando. Até que,
em certo momento, nós não precisávamos mais de temas americanos, tínhamos toda a música
brasileira à disposição. Nós nos
aproveitamos da riqueza e da valorização harmônica que a bossa
nova nos deixou, mas tocávamos
"pra fora", extrovertendo aquele
intimismo da bossa".
Essa descoberta da fórmula
ideal, somando a animação e o
improviso do jazz com a riqueza
harmônica e melódica da bossa,
mais uma infinidade de boas
composições, fez com que o estilo
ganhasse força, personalidade e
relevância artístico-histórica. "Se
os jazzistas americanos tivessem
tido a oportunidade de ouvir os
discos do samba-jazz, provavelmente teriam reconhecido aquilo
como uma vertente do jazz, tão
válida quanto o hard bop ou o
cool. Até porque o clima é de samba, mas o som é mais pesado,
mais forte, muito original", avalia
Ruy Castro, autor dos livros
"Chega de Saudade" e "A Onda
que se Ergueu no Mar", sobre a
bossa nova (e, conseqüentemente, o samba-jazz).
Naturalmente, não demorou,
na época, para essa cena chegar
aos ouvidos dos produtores. Em
pouco tempo, os mesmos músicos que passavam seu tempo tocando pelo prazer de improvisar
com outros instrumentistas estariam acompanhando e fazendo
arranjos para cantores como Elis
Regina, Jorge Ben e Dóris Monteiro. O próximo passo era gravar
seus próprios álbuns, e foi o que
aconteceu. Surpreendentemente,
houve, por um tempo, uma febre
por aquele tipo de som, e todas as
gravadoras correram para fazer
seus LPs, geralmente com formações de sexteto ou o básico trio
piano-baixo-bateria.
Como Dom Um Romão, que já
tinha experiências de sobra quando gravou seu disco de estréia.
Um dos três mais importantes bateristas da cena samba-jazz (os
outros dois são Edison Machado e
Milton Banana), Dom Um tem o
currículo mais impressionante.
Ex-membro do conjunto de Sergio Mendes, já havia gravado até
em disco do importante saxofonista americano Cannonball Adderley. Ainda nos anos 60, participou de discos históricos, como o
trabalho de estréia de Jorge Ben e
o clássico álbum registrando o encontro de Tom Jobim com Frank
Sinatra. Nos anos 70, chegou a
lançar discos solo por gravadoras
americanas e tocar em conjuntos
como Weather Report. Depois de
algum tempo sem gravar, voltou a
produzir álbuns inéditos nos anos
90. E agora seu primeiro álbum finalmente ganha edição em CD.
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