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Um fiel observador dos fatos
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Truman Capote foi um dos
grandes nomes do movimento
que ficou conhecido como novo
jornalismo. Sua biografia, entretanto, diferencia-se muito do arquétipo do intelectual que brilhava nos anos 1950 e 60 nas rodas
chiques de Nova York.
Sua inserção nesse circuito se
deu pelos andares de baixo. Depois de uma infância turbulenta,
arrumou emprego na célebre revista "The New Yorker" no departamento de contabilidade e, depois, como arquivista. Naquela
época, a "New Yorker" fazia jus
ao slogan de "provavelmente a
melhor revista do mundo".
Capote teve a sorte e o talento de
conquistar espaço nesse centro de
qualidade jornalística: foi encarregado da famosa seção "Talk of
the Town", passou a escrever reportagens de turismo e, afinal,
tornou-se repórter pleno.
A "New Yorker" se notabilizava
por extensas reportagens. Em
meados da década de 1990, sob
nova direção, rendeu-se às pressões do mercado e praticamente
as eliminou. Recentemente, voltou a publicar textos mais longos,
nada similar aos de 40 anos atrás.
"A Sangue Frio", talvez o mais
importante de todos os ícones do
novo jornalismo, era originalmente uma daquelas grandes reportagens. Ela foi o produto do
aperfeiçoamento das técnicas de
entrevista e de estilo que Capote
desenvolveu ao longo dos anos.
Para entrevistas, recorria à memória prodigiosa, que o desobrigava de gravar o depoimento ou
tomar notas, e à capacidade de
criar empatia com o entrevistado.
As duas táticas davam ao jornalista melhores condições para retirar a inibição da pessoa com
quem conversava e, em conseqüência, obter dados que não seriam revelados numa entrevista
formal. Para estimular a empatia,
Capote trocava de posição com o
entrevistado: falava de si, revelava
inconfidências. Com isso, implicitamente criava a obrigação da
contrapartida pelo interlocutor.
No quesito de estilo, usava recursos tradicionalmente exclusivos da prosa ficcional: gastava
muitos parágrafos na descrição
de ambientes físicos, introduzia
observações pessoais de caráter
psicológico, usava diálogos.
Apesar desses maneirismos
narrativos, Capote sempre foi
muito cioso em relação à lealdade
aos fatos, sem recorrer aos frutos
da imaginação. Nesse sentido, era
mais fiel à profissão do que foi,
por exemplo, Bob Woodward. As
conversas em "A Sangue Frio"
com Nancy, a filha assassinada
dos Clutter, eram todas baseadas
em diálogos testemunhados por
alguém que Capote entrevistara.
Já Woodward, em "The Final
Days", reproduziu um diálogo
entre o presidente Nixon e os retratos de seus antecessores na Casa Branca sem que ninguém jamais lhe tivesse contado esse incidente, que segundo o próprio autor ocorrera sem testemunhas.
Embora se utilizasse da empatia
com os personagens (particularmente aguda com os acusados do
caso Clutter), Capote sempre se
mantinha um observador da realidade. Talvez fosse esse o segredo
principal de seu talento.
Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
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