São Paulo, segunda-feira, 06 de fevereiro de 2006

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Um fiel observador dos fatos

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Truman Capote foi um dos grandes nomes do movimento que ficou conhecido como novo jornalismo. Sua biografia, entretanto, diferencia-se muito do arquétipo do intelectual que brilhava nos anos 1950 e 60 nas rodas chiques de Nova York.
Sua inserção nesse circuito se deu pelos andares de baixo. Depois de uma infância turbulenta, arrumou emprego na célebre revista "The New Yorker" no departamento de contabilidade e, depois, como arquivista. Naquela época, a "New Yorker" fazia jus ao slogan de "provavelmente a melhor revista do mundo".
Capote teve a sorte e o talento de conquistar espaço nesse centro de qualidade jornalística: foi encarregado da famosa seção "Talk of the Town", passou a escrever reportagens de turismo e, afinal, tornou-se repórter pleno.
A "New Yorker" se notabilizava por extensas reportagens. Em meados da década de 1990, sob nova direção, rendeu-se às pressões do mercado e praticamente as eliminou. Recentemente, voltou a publicar textos mais longos, nada similar aos de 40 anos atrás.
"A Sangue Frio", talvez o mais importante de todos os ícones do novo jornalismo, era originalmente uma daquelas grandes reportagens. Ela foi o produto do aperfeiçoamento das técnicas de entrevista e de estilo que Capote desenvolveu ao longo dos anos.
Para entrevistas, recorria à memória prodigiosa, que o desobrigava de gravar o depoimento ou tomar notas, e à capacidade de criar empatia com o entrevistado.
As duas táticas davam ao jornalista melhores condições para retirar a inibição da pessoa com quem conversava e, em conseqüência, obter dados que não seriam revelados numa entrevista formal. Para estimular a empatia, Capote trocava de posição com o entrevistado: falava de si, revelava inconfidências. Com isso, implicitamente criava a obrigação da contrapartida pelo interlocutor.
No quesito de estilo, usava recursos tradicionalmente exclusivos da prosa ficcional: gastava muitos parágrafos na descrição de ambientes físicos, introduzia observações pessoais de caráter psicológico, usava diálogos.
Apesar desses maneirismos narrativos, Capote sempre foi muito cioso em relação à lealdade aos fatos, sem recorrer aos frutos da imaginação. Nesse sentido, era mais fiel à profissão do que foi, por exemplo, Bob Woodward. As conversas em "A Sangue Frio" com Nancy, a filha assassinada dos Clutter, eram todas baseadas em diálogos testemunhados por alguém que Capote entrevistara.
Já Woodward, em "The Final Days", reproduziu um diálogo entre o presidente Nixon e os retratos de seus antecessores na Casa Branca sem que ninguém jamais lhe tivesse contado esse incidente, que segundo o próprio autor ocorrera sem testemunhas.
Embora se utilizasse da empatia com os personagens (particularmente aguda com os acusados do caso Clutter), Capote sempre se mantinha um observador da realidade. Talvez fosse esse o segredo principal de seu talento.


Carlos Eduardo Lins da Silva é jornalista e diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas

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