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LIVROS
Faça a guerra, faça discurso, faça tudo isso ficar irreal
Don DeLillo troca estilo detalhista e frenético por abordagem íntima ao tratar de conflito no Iraque; livro é engenhoso, mas tem personagens artificiais
MICHIKO KAKUTANI
DO "NEW YORK TIMES"
Richard Elster, o personagem central de "Point Omega"
(ponto ômega), a nova novela
de Don DeLillo, é um acadêmico que ajudou o Pentágono a
conceituar o quadro intelectual
em favor da Guerra do Iraque.
Está sendo cortejado por um cineasta chamado Finley, que
quer fazer um documentário
com ele falando sobre a guerra.
Imagine Paul Wolfowitz,
Condoleezza Rice e alguns pensadores do American Enterprise Institute colocados num
processador de alimentos, juntamente com Robert S. McNamara do jeito como foi visto no
filme "Sob a Névoa da Guerra",
de Errol Morris.
Como muitos dos livros anteriores de DeLillo, "Omega" trata da morte, do pavor e da paranoia, e, como muitos desses livros, possui uma arquitetura
engenhosa que ganha ressonância quando é vista em retrospectiva. Mas mesmo sua
engenharia estrutural inteligente não consegue compensar
o retrato atipicamente simplista traçado pelo autor de seu
protagonista: um intelectual
pomposo que emprega argumentos filosóficos abstratos
para descaradamente justificar
o envio de milhares de jovens
soldados para morrer em uma
guerra desnecessária, mas que,
de repente, conhece em primeira mão o que significam a
morte e a perda, quando sua filha amada desaparece de uma
hora para outra.
Em lugar da linguagem agitada, informal e soturnamente
espirituosa que empregou com
efeito tão eletrizante em "Ruído Branco" e "Submundo", desta vez DeLillo optou pela prosa
minimalista, esmaecida, quase
beckettiana que empregou em
sua novela de 2001, "A Artista
do Corpo", e em sua peça "The
Day Room", de 1987.
E, em lugar das observações
elétricas e altamente detalhadas da vida americana que animam "Libra" e "Mao 2º", ele recorreu a reflexões cansativas e
carregadas de presságios sobre
a mortalidade e o tempo. Fala-se sobre como o tempo é sentido diferentemente no deserto
ou na cidade, fala-se sobre a vida versus a arte e a arte versus a
realidade, fala-se sobre um
"ponto ômega" em que "a mente transcende toda direção interior", seja lá o que isso possa
significar.
Discurso cerebral
De tempos em tempos Elster
soa como Donald H. Rumsfeld
ou George W. Bush, declarando
que "uma grande potência precisa agir", que a América precisa "retomar as rédeas do futuro". Mais frequentemente, porém, DeLillo faz o discurso de
Elster sobre a guerra ser propositada -e absurdamente- cerebral: ouvimos que ele escreveu um ensaio sobre a palavra
"rendition" (um de cujos significados é a transferência forçada de prisioneiros para serem
submetidos a interrogatório
em outros países), com "referências ao inglês da Idade Média, francês antigo, latim vulgar
e outras origens", e o ouvimos
falar sobre seu desejo de uma
"guerra haiku", que significaria
"nada além do que ela é".
Mais tarde, Elster diz que "alguma coisa está vindo", e prossegue: "Mas não é isso o que
queremos? Isso não é o ônus da
consciência? Estamos esgotados. A matéria quer perder sua
consciência de si. Somos a
mente e o coração que a matéria se tornara. É hora de fechar
tudo. É isso o que nos move
agora".
Os três personagens centrais
do romance -Elster, sua filha,
Jessie, e o cineasta Finley- são
pessoas alienadas, estranhamente desapegadas. São indivíduos que vivem em um estado
de limbo, buscando algo que
possa dar ordem ou sentido a
suas vidas, ou então simplesmente em estado de choque devido ao caráter aleatório e
ameaçador da vida moderna.
Personagens irreais
É claro que muitos personagens anteriores de DeLillo
compartilham essas características afásicas, mas há algo de
desencarnado e genérico nestes três. É difícil acreditar que
Elster algum dia foi chamado
pelo governo para dar consultoria sobre a Guerra do Iraque,
assim como é difícil acreditar
que Finley seja de fato um cineasta ou que Jessie faça trabalho voluntário com idosos. Eles
mais parecem hologramas que
seres humanos.
Após seu período trabalhando para o governo, Elster se isolou em uma casa no deserto
"para não fazer nada" exceto ficar sentado e pensar. Ele diz
que está lá "para parar de falar".
O que ele sente lá "é o tempo
envelhecendo devagar. Ficando tremendamente velho. Não
a cada dia que passa. Este é um
tempo profundo, um tempo
que marca época".
Finley foi a esse retiro no deserto para tentar persuadir Elster a estrelar seu filme: o documentário mostrará esse homem em processo de envelhecimento falando sobre a guerra,
sobre o período que passou no
governo e sobre qualquer outra
coisa que quiser falar.
Em Nova York, Finley certa
vez apresentou Elster a um filme chamado "24 Hour
Psycho", exibido no Museu de
Arte Moderna: uma obra de arte conceitual de Douglas Gordon, mostrando o filme de
Hitchcock em câmera tão lenta
que leva 24 horas para ser exibido. A obra levanta alguns dos
mesmos temas que DeLillo parece querer explorar nas páginas do livro -realidade e percepção, identidade e embuste.
É a mesma obra à qual Jessie
(e possivelmente, também, um
homem que vem seguindo Jessie) assistiu, devido ao desejo
de ver um filme em que, nas palavras dela, "nada acontece"
parece ser a questão principal.
Jessie é uma jovem estranha,
com tendência a mergulhar em
estados de espírito nos quais
"ela parecia estar amortecida
para qualquer coisa que pudesse provocar uma reação".
"Seu olhar tinha uma qualidade resumida, ele não alcançava a parede ou a janela", diz
Finley. "Achei perturbador observá-la, sabendo que ela não
se sentia observada."
A mãe de Jessie -a esposa de
quem Elster está separado- a
enviou para o deserto para
afastá-la de um homem que ela
conhecera em Nova York.
Embora a chegada de Jessie
modifique ligeiramente a dinâmica entre Elster e Finley,
pouca coisa acontece por vários dias. Os três ficam sentados, juntos ou separados. Eles
comem sanduíches e falam em
sair em expedição à procura de
carneiros selvagens.
Finley tece fantasias sobre
fazer sexo com Jessie; ele pede
a ela que se sente com ele e pega em sua mão, mas ela "não dá
sinal algum de ter notado". E
então, um dia, quando Elster e
Finley retornam de fazer compras de comida, a casa está vazia: Jessie desapareceu, não é
encontrada em lugar algum.
América estilizada
Embora DeLillo extraia suspense considerável de sua história, erguendo um clima de
medo digno de Pinter, há algo
de sufocante e sem ar na produção inteira. Diferentemente
das pessoas de seus romances
mais memoráveis, os três personagens deste livro não vivem
em uma América reconhecível
ou uma realidade reconhecível.
Eles dão a impressão de serem papéis escritos para uma
peça de teatro estilizada e altamente artificial: Elster, um tigre de papel que é preparado
para ser derrubado do pedestal;
Finley, seu interlocutor, um
perdedor esquecível, e Jessie, a
vítima que lembra uma sílfide e
cujo desaparecimento vai ensinar uma lição a seu pai. São papéis que precisam desesperadamente de atores que lhes
deem substância e vida.
Tradução de Clara Allain
POINT OMEGA
Autor: Don DeLillo
Editora: Scribner (importado)
Quanto: US$ 24 (117 págs.)
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