São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2001

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AS DUAS MULHERES

Fernanda Torres e Debora Bloch estréiam no sábado texto de Patrícia Melo para o teatro

Três mulheres e um cadáver desembarcam em São Paulo

Ana Ottoni/Folha Imagem
As atrizes Debora Bloch e Fernanda Torres e, ao fundo, o ator Ricardo Pavão, que formam o elenco de "Duas Mulheres e um Cadáver"



Espetáculo de autoria de Patrícia Melo estréia no próximo sábado em SP e reúne Fernanda Torres e Debora Bloch no elenco

Peça explora texto com "humor cáustico"

MARCELO RUBENS PAIVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não estranhe a entrevista abaixo. Ela ocorreu num clima de extrema cordialidade. Debora "Debi" Bloch, 37, e Fernanda "Nanda" Torres, 35, são amigas deste repórter há anos. As perguntas foram respondidas com uma franqueza construída por convívio e confiança. Tudo é dito sob risos, como amigos se provocando.
Debora e Fernanda, que trabalharam juntas na TV e na peça "Cinco Vezes Comédia", conheceram-se na coxia de um teatro, enquanto seus pais, Jonas Bloch e Fernanda Montenegro, levavam "É" (76), de Millôr Fernandes.
Um encontro com a escritora e roteirista Patrícia Melo na ponte aérea fecundou a montagem da peça "Duas Mulheres e um Cadáver", que, depois de estrear em agosto de 2000, no Rio, chega a São Paulo no próximo sábado.
A peça, da autora de "O Matador" (Companhia das Letras), dirigida pelo veterano Aderbal Freire-Filho ("Mulher Carioca aos 22 Anos") e com cenário e direção de arte de Daniela "Dani" Thomas, mostra duas mulheres, Beatriz (Debora) e Ana (Fernanda), que amaram um psicanalista (Ricardo Pavão) assassinado em seu consultório na primeira cena. O espetáculo fica em SP até maio.

Folha - Foi durante a temporada de "Cinco Vezes Comédia" que vocês planejaram trabalhar juntas?
Fernanda Torres -
A idéia veio antes, quando eu tinha 17 anos.

Folha - Vocês estudaram na mesma escola?
Fernanda -
Sim. Mas a Debi era da turma do meu irmão (o cineasta Cláudio Torres).

Debora Bloch - Senti que ela não quer entregar a minha idade, mas eu sou mais velha. E, por isso, sou mais inteligente, mais sábia.

Fernanda - Quando crescer, quero ser igual a Debi. Depois da escola, a vida levou cada uma a um canto. Produzimos "Cinco Vezes" pensando em nos reaproximar. Temos muitas afinidades artísticas, além de sermos produtoras.

Debora - Temos uma inquietação parecida, apesar de trajetórias diferentes.

Fernanda - Encontrei Patrícia Melo e falei que procurávamos um texto. Ela então disse que tinha uma peça curta.

Debora - Pensamos em como transformar aquele texto pequeno em uma peça. Foi um processo com Patrícia. Tínhamos encontros para transformar a palavra literária em ação. Tudo partiu do que estava escrito no texto.

Folha - Na leitura da peça na Folha, as pessoas riram muito. Você sabiam que era uma comédia?
Fernanda -
A gente ficou muito assustada até.

Debora - Eu sempre achei que a peça tinha muito humor. Patrícia, até na literatura dela, tem humor. É um humor sombrio.

Fernanda - Sarcástico.

Debora - Cáustico.

Fernanda - A situação é cômica: mulher, amante e marido morto. Não é drama dinamarquês.

Folha - Qual é o subtexto da peça?
Fernanda -
Fala de caos afetivo.

Debora - E ciúmes, inveja, mulheres contemporâneas, ocupadíssimas, que fazem as tarefas masculinas e femininas.

Fernanda - A minha personagem faz análise para se avaliar. E tem o fato de o analista comê-la. As pessoas não vão mais ao confessionário. As pessoas vão ao analista para não encher os amigos, o marido. A personagem da Debi é o contrário. Ela não se analisa e se ocupa de outras coisas para não se ocupar de si mesma.

Folha - Você ficaram anos com "Cinco Vezes Comédia". Acabou?
Debora -
Acabou agora.

Fernanda - Podíamos ter ficado 70 anos. Paramos no auge.

Debora - E cada um foi fazer o seu projeto pessoal.

Folha - Fernanda, sua imagem de atriz densa, que fez Gerald Thomas, prejudica na comédia?
Fernanda -
Mas, quando eu fiz Gerald, me acusaram de fazer com gozação. O "Orlando" (texto baseado na obra de Virginia Wolf) era engraçado.

Folha - Eu vi "Orlando" na estréia e não achei engraçado.
Fernanda -
É porque foi na estréia. Quanto mais fomos fazendo, o humor foi aparecendo. Também fiz "TV Pirata", "Comédia da Vida Privada". Uns dizem que tenho mais tendência para a comédia, como se me acusassem de não ser densa. Agora, você me diz que eu não sou comediante. Nunca vão chegar a uma conclusão. Acho que sou tragicômica.

Debora - Acho isso bobagem. Não vejo divisão entre ator cômico e dramático. Um ator tem de ser dramático quando o personagem é dramático. A comédia é um gênero nobre, busca a reflexão. Há certo preconceito nesse tipo de pergunta. Limita querer classificar um ator. Ele tem de ser livre. E as coisas nem são separadas. A comédia é rir de seus dramas.

Fernanda - Há outra idéia preconceituosa na sua pergunta "você ficaram anos com "Cinco Vezes'". É como se um ator que lida com humor fosse um caça-níquel. Ou me acusam de ser muito hermética ou comercial. A minha profissão está acima dessas coisas.

Debora - Levamos "Cinco Vezes" para espaços de show de rock. Teatro não tem de ser sofredor. Pode ser alegre.

Folha - Quando o texto deixa a comicidade dúbia, forçam o riso?
Debora -
Detesto buscar o riso.

Fernanda - Já eu faço qualquer coisa por uma boa gargalhada.

Debora - O ator de comédia pode se corromper pelo riso. É bom ouvir a gargalhada do público, mas não significa que você está bem.

Fernanda - Quanto mais relaxado o ator está em relação ao riso, mais a platéia ri com ele.

Folha - Já fizeram peça sem riso?
Fernanda -
"A Gaivota" (Tchekov). Apesar de ser uma peça engraçada, ninguém ria. Tem os silêncios atômicos que...

Folha - Silêncios atômicos?
Fernanda -
Quando você sente que a platéia está respirando com você. Quando você o alcança, é o momento maior da sua vida.



Peça: Duas Mulheres e um Cadáver
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, tel. 0/xx/11/258-3616)
Quando: estréia sábado, às 21h; sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h
Quanto: de R$ 20 a R$ 50
Patrocinadores: Amazônia Celular/ Eletrobras




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