São Paulo, terça-feira, 06 de março de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Achados e perdidos


Pacote de música erudita é marcado pela variedade; os destaques são Maria Callas, Cecilia Bartoli e o grupo Il Giardino Armonico


IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Tem música antiga, contemporânea, romântica, ópera, gravações raras de gente consagrada e obras desconhecidas de grandes autores: a variedade é a principal característica do pacote que a Warner está lançando.
Além das divas Maria Callas e Cecilia Bartoli, o destaque é o grupo Il Giardino Armonico, que a Sociedade de Cultura Artística está trazendo ao Brasil em agosto.
Criado em Milão, em 1985, o Giardino Armonico constitui, ao lado do Europa Galante e do Concerto Italiano, a santíssima trindade de grupos peninsulares de instrumentos de época que chegaram para salvar o repertório barroco e renascentista italiano da modorra na qual a interpretação anódina de conjuntos do norte da Europa havia colocado.
O segredo? Ataques vigorosos, contrastes de dinâmica e a escolha ousada de tempos, valorizando o "chiaroscuro" (luzes e sombras) que era a característica não só dos pintores, mas dos compositores italianos do período.
O luxuoso acabamento de seu último CD, "Viaggio Musicale", promete muito (um CD-livro, com papel de primeira e ilustrações de bom gosto). Trata-se de coletânea de 14 autores italianos do início do século 17, espalhados por oito cidades; de todos eles, o único conhecido é Claudio Monteverdi, que comparece com uma das 24 faixas (a sinfonia da ópera "Il Ritorno d'Ulisse in Patria").
São peças pequenas, na forma trio-sonata. Nenhuma tem grande fôlego; caso falássemos de gastronomia, não estaríamos diante de refeições substanciosas, mas de deliciosos acepipes.
Pelo mesmo selo do Giardino Armonico (Teldec), grava o violinista russo Maxim Vengerov, mas sua única semelhança com o grupo italiano é usar um instrumento antigo: um Stradivarius de 1723.
Na interpretação do repertório romântico, a escolha entre um caro violino barroco e um moderno parece ser mais uma questão do fetiche, assumido pelo instrumento enquanto forma-mercadoria, do que uma opção musical.
Aos 27, o russo carrega a tradição de seu país no instrumento. Neste CD, ele repete a parceria com o regente Kurt Masur e a Filarmônica de Nova York, registrando o "Concerto em Lá Menor" de Dvorák; o disco não é complementado por outra obra com orquestra, mas pela "Sonata em Mi Menor", de Elgar, com acompanhamento do pianista Revital Chachamov. O resultado é, como de hábito, impecável.
Já o outro violinista da Warner, Gidon Kremer, decepciona no CD "Silencio". O disco tem apresentação que puxa para o new age ao sugerir quietude e contemplação.
Kremer é um dos artistas da atualidade que mais gostam de fuçar o repertório do século 20. Sua busca já deu em um prazeroso revival de Piazzolla, bem como obras instigantes de autores como Schnittke e Gubaidulina.
Aqui, está longe de ser o caso. Ao lado de seu conjunto, o violinista toca com a excelência de sempre; mas o repertório beira o "kitsch". Todos os autores escolhidos vão pela linha da "nova simplicidade", que, a pretexto de buscar maior comunicabilidade, cai no excesso de concessões.
A peça mais interessante "Tabula Rasa", de Arvo Pärt. "The Company", em quatro movimentos, mostra Philip Glass se repetindo; mas o que aborrece mesmo é "Come In!", pastiche neo-romântico de Vladimir Martynov.
Afinal, se for para ouvir música romântica, melhor voltar aos autores do século 19, como Wagner e Weber. Eles são enfocados no disco em que a Orquestra da Rádio Norueguesa, dirigida por Ari Rasilainen, está lançando.
O álbum traz a única sinfonia de Wagner e as duas sinfonias de Weber. Semelhanças entre elas: a tonalidade (dó maior), a pouca idade de seus autores ao escrevê-las (Wagner tinha 19 anos; Weber, 20), e o fato de nenhuma delas ter atingido a mesma popularidade das óperas destes compositores.
Não é difícil de entender por quê. A sinfonia de Wagner é mais beethoveniana do que wagneriana, carecendo da personalidade forte que marcaria suas obras ulteriores. Já Weber não parece, em 1805, ter sofrido a influência de Beethoven, mas suas sinfonias soam espremidas entre Haydn e Schubert. Há belos momentos em ambas, e a qualidade da gravação faz deste um disco desfrutável.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Crítica: Diferenças entre cantoras refletem caminhos do mercado
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.