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GASTRONOMIA
Receitas do samba à Zicartola
"Alguns como Cartola são trigo de qualidade especial, devem servir de
alimento constante. A gente fica sentindo e pensenteando sempre o gosto
desta comida."
Carlos Drummond de Andrade
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Os poetas pensenteavam a comida de Cartola, e Dona
Zica cozinhava, rindo. Ele traduzia "como é que eu posso cozinhar sem banha, sem cebola e
alho, sem vinagre e cheiro, como é
que eu posso ter bom paladar,
sem você deixar a grana pros temperos...".
Casaram-se. Adoravam Mangueira. "Vista assim do alto, mais
parece um céu no chão... E a vida
não é só isso que se vê, é um pouco mais. Sei lá, não sei, sei lá, não
sei." Mas, eu sei, rematava Zica. É
também carne-seca com abóbora.
Limpar a carne direitinho, cortar
em cubos e deixar de molho, trocando a água até eliminar o sal...
Progrediram, mudaram de casa. "Tenho saudades da Mangueira, daquele tempo em que eu batucava por lá. Tenho saudades do
tempero da escola..."
E Dona Zica respondia com arroz ao leite de coco. Lavar o arroz,
aquecer o óleo, juntar o arroz e refogar. Juntar alho e água e, quando o arroz estiver quase seco, despejar o leite de coco e deixar acabar de cozinhar.
O poeta se lamentava, atracado
no seu violão.
"Queixo-me às rosas, que bobagem, as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam o perfume
que roubam de ti." De quem estará falando ele, pensava Dona Zica
e ... Se quiser um gosto mais acentuado de alho, em vez de espremer, pique o alho e não deixe
dourar demais.
"E acontece que eu já não sei
mais amar. Vai chorar, vai sofrer e
você não merece. Acontece que
meu amor ficou frio." Ah, ficou?
Tem sempre um jeito de aquecer,
resmungava Zica. No óleo ainda
frio, misture uma colher de vinagre para o aipim ficar mais crocante, é 1 kg de aipim, 2 1/2 xícaras
de óleo e sal a gosto... Colocar o
óleo numa panela e aquecer bem.
Fritar os pedaços de aipim cozidos aos poucos até que fiquem
bem dourados.
"Lá em Mangueira aprendi a sapatear, lá em Mangueira é que o
samba tem seu lugar." E também
tem seu lugar junto à feijoada, ensinava ela, e à couve mineira, cortada em tiras bem fininhas. Aquecer o óleo ou toucinho e dourar o
alho. Juntar a couve, mexendo
sempre até ficar toda por igual.
"Ai, minha Mangueira, minha
saudosa Mangueira, quando o
progresso chegou, tudo se transformou e Mangueira mudou. Já
não se canta mais à luz do lampião e a cabrocha não vai ao terreiro de pé no chão." Ora, é preciso comer de tudo um pouco, resignava-se Zica. Frango à moda
húngara, língua ao molho madeira, macarrão à matriciana, rosbife, suflê de chuchu e estrogonofe
de carne.
Um dia resolveram se mudar
para evitar muita confusão carnavalesca. O poeta e a mulher já estavam famosos.
"Mangueira na hora da minha
despedida, todo mundo chorou,
todo mundo chorou." "A sorrir
eu pretendo levar a vida, pois chorando eu vi a mocidade perdida...." Ela sempre muito prática.
Para não chorar, quando descascar cebolas, mergulhe-as por alguns instantes em água quente.
Foi uma vida bonita. A dos dois.
"Eu errei, grande Deus, mas
quem é que não erra? Se errei, perdoai-me, pelo amor de Maria"
(Cartola). Para tirar as nódoas de
frutas das lâminas das facas, esfregue-as com uma batata crua e depois dê um polimento nelas (Dona Zica).
DONA ZICA - TEMPERO, AMOR E ARTE
- 47 receitas que embalavam as rodas de
samba no antigo bar Zicartola, onde
marido e mulher recebiam a nata do
samba). De: Nilcemar Nogueira. Editora:
Fábrica de Livros. Lançamento: hoje, às
19h30. Onde: na quadra da Mangueira (r.
Visconde de Niterói, 1.072, Rio, tel. 0/xx/
21/2567-4637). Quanto: a definir.
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