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LITERATURA/CRÍTICA
Italiano comenta a passagem do tempo e faz referência a Proust em "Está Ficando Tarde Demais"
Com sutileza, Tabucchi deflagra a memória
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Que livro resulta da mente de
um escritor quando ela está
ocupada em pensar nos seguintes
assuntos: o suicídio por intoxicação com gás do grande contista
iraniano da primeira metade do
século 20, Sadeq Hedayat, os estudos do cientista italiano Andréa
Cisalpino sobre a circulação do
sangue no corpo humano, a função do neurotransmissor serotonina na psique das pessoas, o limite da suportabilidade da dor e a
lembrança de antigas amigas?
No caso de Antonio Tabucchi,
uma coleção de cartas fictícias
masculinas dirigidas a mulheres
com o relato de experiências espirituais e emocionadas no passado
e no presente. "Está Ficando Tarde Demais", escrito entre 1995 e
2001 e agora publicado no Brasil, é
mais uma pérola delicada e valiosa que se soma ao conjunto do
trabalho desse autor de 61 anos
que é um dos mais complexos e
importantes de sua geração.
Os pequenos contos epistolares
desse volume não relatam necessariamente uma história. Tabucchi é escritor da espécie de Proust
e Musil, em que o enredo funciona apenas como um acessório para a discussão de idéias importantes sobre a condição humana.
Existe uma trama, é verdade, mas
ela apenas sustenta uma discussão filosófica entre autor e leitor.
O tema da passagem do tempo
está presente em vários dos capítulos do livro, como indica o próprio título. Há referências explícitas e reverenciais a Proust aqui e
ali. Os truques e artimanhas da
memória são comentados com
sutileza, profundidade e contida
emoção: "...o passado, ele também, é feito de momentos, e cada
momento é como um minúsculo
grãozinho que escapa. Retê-lo,
em si e por si, seria fácil, mas juntá-lo aos demais é impossível. Em
suma: lógica nenhuma".
Tabucchi é cidadão da Itália,
mas tem uma ligação muito íntima com a língua portuguesa, na
qual já escreveu alguns de seus livros. O mais famoso de todos
(porque nele se baseou o último
filme da vida de Marcello Mastroianni), "Afirma Pereira", é ambientado em Lisboa.
"Aquela imagem tocou a memória de um Eu tão distante no
tempo (e portanto tão distante de
Mim que olhava para a fotografia)
que me levou a considerar a possibilidade de atribuir a memória
daquela imagem a um Mim que
de mim fosse só aparência ou ectoplasma perdido no tempo. Enfim, praticamente um desconhecido que escrevia uma carta."
Assim são as cartas de "Está Ficando Tarde Demais". São como
relatos de alguém que já não é,
despertado por algum elemento
deflagrador da memória autêntica. Trata-se de uma revisita e de
uma ampliação dos conceitos básicos de "Em Busca do Tempo
Perdido". Além das madeleines,
há outros estopins para o que
Proust considerava a vivência espiritualmente mais elevada, que
nos transporta a "só uma concentração na recordação mais escondida, aquela que nos fez feliz no
passado e que gostaríamos que
fosse a nossa vida futura, admitindo que ela exista, só aquele ponto
ali nada mais".
Carlos Eduardo Lins da Silva, 51, jornalista, é diretor da Patri Relações Governamentais e Políticas Públicas
Está Ficando Tarde Demais
Autor: Antonio Tabucchi
Editora: Rocco
Quanto: R$ 27,50 (196 págs.)
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