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LIVROS
Crítica / "Éloge de L'Amour"
Alain Badiou discute o papel político e social do amor
Em novo livro, o filósofo analisa o viés inconformista do sentimento amoroso
VLADIMIR SAFATLE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Alain Badiou é conhecido
atualmente por suas intervenções políticas de
larga escala na reconstrução do
pensamento intelectual de esquerda, assim como por uma
obra filosófica fundamental para a compreensão do pensamento francês contemporâneo
pós maio de 1968. Diante de tal
obra e da virulência de suas intervenções políticas, um pequeno livro como este, que saiu
há alguns meses na França com
o título de "Eloge de L'Amour"
(elogio do amor), pode parecer
estranho.
Resultado de uma entrevista
com Nicolas Truong, o livro
aparentemente visa recuperar
este topos clássico da filosofia,
ao menos desde Platão, referente ao elogio do amor como
modo de relação à alteridade e
modelo reconstrutivo de relação social. Algo já presente em
seu "São Paulo: A Fundação do
Universalismo", lançado no
Brasil em 2009 (ed. Boitempo).
No entanto, esse pequeno livro é surpreendente em mais
de um aspecto. Sensível às mutações sociais das relações intersubjetivas em uma era marcada pela elevação do medo a
afeto social central e da demanda de segurança a motor de justificação das ações políticas,
Badiou lembra como a sociabilidade contemporânea parece
fascinada pelo "amor seguro
contra todos os riscos".
Dos sites de relacionamento
que prometem encontros sob
medida à implementação terapêutica da lógica mercantil que
mede relações a partir de custos e benefícios, encontraríamos sempre o mesmo "amor
securitário" cada vez mais hegemônico em nossas sociedades liberais. Algo como "um arranjo prévio que evita todo acaso, todo encontro e finalmente
toda poesia existencial, isto em
nome da ausência de risco".
Pois um sujeito que age politicamente a partir do medo e do
desejo de segurança tende a reconfigurar até suas relações sociais mais privadas a partir dos
mesmos afetos. Ele tende a ver,
nas relações amorosas, uma
forma de contrato que visa "otimizar" os sistemas de interesses de duas pessoas privadas.
Pode parecer, com isto, que
estaríamos a um passo da defesa do entusiasmo liberador da
ruptura, ou seja, daquilo que o
próprio Badiou chama de "concepção romântica e fusional"
caracterizada pelo "êxtase do
encontro". Mas poderíamos dizer que essas duas posições são
complementares em uma recusa fundamental. A recusa em
compreender o amor como
uma "construção de verdade".
Tal expressão é feliz por inicialmente afirmar que há um
regime de verdade que se revela
no interior de relações amorosas: "verdade a respeito de um
ponto bastante peculiar, a saber, o que é o mundo quando
ele é experimentado a partir do
dois, e não do um? O que é o
mundo examinado, praticado e
vivido a partir da diferença, e
não a partir da identidade?".
Nessa recuperação filosófica do
amor, ele retorna como modelo
de uma vivência da diferença
capaz de construir mundos a
partir de pontos de vista descentrados.
Tal descentramento significa
que, nas relações amorosas, os
sujeitos não procuram apenas a
conformação do outro a um
conjunto de expectativas e imagens fantasmáticas prévias.
Eles procuram, mesmo sem saber, esse ponto onde o outro resiste a sua submissão pelo pensamento identitário do Eu.
Ponto no qual o outro é capaz
de dizer: "Você não vai me dobrar", não como alguém que
impõe uma recusa, mas como
alguém que instaura um amor
capaz de nos levar a uma região
rara onde encontramos coisas
desprovidas de gramática, onde
precisamos apreender a amar
coisas desprovidas de gramática.
Saber construir e durar
diante de coisas que parecem
desestruturar a gramática de
nossos desejos: eis uma idéia de
Badiou que, como tudo o que
ele escreve, não deixa de ter claras consequências políticas em
uma era de culto às fronteiras.
VLADIMIR SAFATLE é professor do departamento de Filosofia da USP.
ELOGE DE L'AMOUR
Autor: Alain Badiou
Editora: Flammarion
Quanto: 12 ou R$ 42,84 (90 págs.)
Avaliação:
ótimo
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