São Paulo, sábado, 06 de março de 2010

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LIVROS

Crítica / "Éloge de L'Amour"

Alain Badiou discute o papel político e social do amor

Em novo livro, o filósofo analisa o viés inconformista do sentimento amoroso

VLADIMIR SAFATLE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Alain Badiou é conhecido atualmente por suas intervenções políticas de larga escala na reconstrução do pensamento intelectual de esquerda, assim como por uma obra filosófica fundamental para a compreensão do pensamento francês contemporâneo pós maio de 1968. Diante de tal obra e da virulência de suas intervenções políticas, um pequeno livro como este, que saiu há alguns meses na França com o título de "Eloge de L'Amour" (elogio do amor), pode parecer estranho.
Resultado de uma entrevista com Nicolas Truong, o livro aparentemente visa recuperar este topos clássico da filosofia, ao menos desde Platão, referente ao elogio do amor como modo de relação à alteridade e modelo reconstrutivo de relação social. Algo já presente em seu "São Paulo: A Fundação do Universalismo", lançado no Brasil em 2009 (ed. Boitempo).
No entanto, esse pequeno livro é surpreendente em mais de um aspecto. Sensível às mutações sociais das relações intersubjetivas em uma era marcada pela elevação do medo a afeto social central e da demanda de segurança a motor de justificação das ações políticas, Badiou lembra como a sociabilidade contemporânea parece fascinada pelo "amor seguro contra todos os riscos".
Dos sites de relacionamento que prometem encontros sob medida à implementação terapêutica da lógica mercantil que mede relações a partir de custos e benefícios, encontraríamos sempre o mesmo "amor securitário" cada vez mais hegemônico em nossas sociedades liberais. Algo como "um arranjo prévio que evita todo acaso, todo encontro e finalmente toda poesia existencial, isto em nome da ausência de risco".
Pois um sujeito que age politicamente a partir do medo e do desejo de segurança tende a reconfigurar até suas relações sociais mais privadas a partir dos mesmos afetos. Ele tende a ver, nas relações amorosas, uma forma de contrato que visa "otimizar" os sistemas de interesses de duas pessoas privadas.
Pode parecer, com isto, que estaríamos a um passo da defesa do entusiasmo liberador da ruptura, ou seja, daquilo que o próprio Badiou chama de "concepção romântica e fusional" caracterizada pelo "êxtase do encontro". Mas poderíamos dizer que essas duas posições são complementares em uma recusa fundamental. A recusa em compreender o amor como uma "construção de verdade".
Tal expressão é feliz por inicialmente afirmar que há um regime de verdade que se revela no interior de relações amorosas: "verdade a respeito de um ponto bastante peculiar, a saber, o que é o mundo quando ele é experimentado a partir do dois, e não do um? O que é o mundo examinado, praticado e vivido a partir da diferença, e não a partir da identidade?".
Nessa recuperação filosófica do amor, ele retorna como modelo de uma vivência da diferença capaz de construir mundos a partir de pontos de vista descentrados.
Tal descentramento significa que, nas relações amorosas, os sujeitos não procuram apenas a conformação do outro a um conjunto de expectativas e imagens fantasmáticas prévias. Eles procuram, mesmo sem saber, esse ponto onde o outro resiste a sua submissão pelo pensamento identitário do Eu.
Ponto no qual o outro é capaz de dizer: "Você não vai me dobrar", não como alguém que impõe uma recusa, mas como alguém que instaura um amor capaz de nos levar a uma região rara onde encontramos coisas desprovidas de gramática, onde precisamos apreender a amar coisas desprovidas de gramática.
Saber construir e durar diante de coisas que parecem desestruturar a gramática de nossos desejos: eis uma idéia de Badiou que, como tudo o que ele escreve, não deixa de ter claras consequências políticas em uma era de culto às fronteiras.

VLADIMIR SAFATLE é professor do departamento de Filosofia da USP.


ELOGE DE L'AMOUR

Autor: Alain Badiou
Editora: Flammarion
Quanto: 12 ou R$ 42,84 (90 págs.)
Avaliação:
ótimo




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