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"Teatro" examina loucura banal
da Reportagem Local
O "Teatro" do escritor, jornalista e colaborador da Folha Bernardo Carvalho é
um momento de vertigem. Seu mais novo
romance, lançado agora pela editora
Companhia das Letras, expõe o leitor à
trajetória de um homem que abandona
um mundo de ajustamento e limpeza para voltar à terra de seus pais: o país da
dissolução, das pessoas sujas e das relações aparentemente impuras.
Assim como em seus trabalhos anteriores ("Aberração", "Onze", "Bêbados e Sonâmbulos"), o simples resumo da história
contada é uma imprecisão. Há ainda uma
imensa preocupação com a forma e a particular leitura da realidade.
"Eu escrevo constantemente, mas o que
está na origem desse livro é um fato: o
caso do Unabomber, quando seu irmão o
denunciou para as autoridades norte-americanas. Pensei no drama de consciência dele, nesse curioso fato de alguém entregar o próprio irmão", fala Carvalho.
Mas "Teatro" não faz desse fato um enredo. Não é essa a história que acompanhamos. Ela é apenas um dado para que
se possa seguir as sensações de um homem em fuga, sua tentativa de se afastar
de uma obsessão: a própria idéia da perseguição. Ecos de um dos mais caros autores para Carvalho. O austríaco Thomas
Bernhard.
"Espero que não pareça um pastiche da
obra de Bernhard, pois não era esse o desejo. Acho o trabalho dele uma coisa maravilhosa, pois usa a forma clássica de
narrar e faz dela algo totalmente inovador."
Carvalho diz ainda que não se trata exatamente de uma influência. A melhor palavra a ser usada talvez fosse libertação.
"O monólogo serve para mostrar o processo mental. A maneira como os pensamentos se sobrepõem, são descontínuos.
Quando li os textos de Bernhard, foi uma
descoberta e também uma liberdade. Se
há realmente uma influência, não se trata
apenas de se aproximar da forma usada
por ele, mas de reconhecer nele tudo o
que pode ser feito. Da maneira que quero
e procuro fazer."
E ainda um dado. "Teatro" não está
apenas na voz de um. Expande-se em direção à experiência de vários. Tanto da
dos personagens quanto da dos leitores. O
lugar onde acontece o romance parece
nenhum, e o tempo, um futuro provável.
Essa é a impressão. Ao menos a inicial.
Rapidamente passa a ser reconhecível
uma realidade mais próxima. Um cotidiano comum.
Enfim, a vida de todos os dias em um
momento histórico de modelos únicos:
comportamentais, econômicos e sociais.
"Sei que há essa leitura. Mas é meu personagem que fala, e não eu. Não sou eu
que estou discursando. Se pudermos falar
de engajamento, ele está na tentativa de
evidenciar o quanto há de ilógico no discurso aparentemente lógico. E também o
contrário. Mostrar de que maneira tudo
se mistura."
Carvalho se prepara agora para representar o Brasil, ao lado de outros escritores, na já controversa participação nacional no 18º Salão do Livro de Paris, que
acontece a partir do próximo dia 20. Para
parte da crítica brasileira, os autores convidados não seriam "representativos".
"Eu me sinto solitário, sem identificação com os outros escritores que estarão
lá. Isso não tem nada a ver com qualidade.
Toda minha adolescência e meu início,
escrevi contra uma idéia de cultura brasileira. É interessante mostrar que minha
literatura é também brasileira -não do
Brasil exótico."
Bernardo prossegue, e fala agora sobre
o que identifica como uma mudança: "Eu
mudei. Comecei a me identificar mais
com o país e percebi que minha rejeição
inicial era resultado de minha ignorância,
de um olhar preconceituoso. Percebo
agora que muito do que eu procurava esteve sempre aqui. Percebo que minha maneira de pensar e ver está ligada ao fato de
ter nascido aqui. Faço uma literatura brasileira".
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