São Paulo, sexta, 6 de março de 1998

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"Teatro" examina loucura banal

da Reportagem Local

O "Teatro" do escritor, jornalista e colaborador da Folha Bernardo Carvalho é um momento de vertigem. Seu mais novo romance, lançado agora pela editora Companhia das Letras, expõe o leitor à trajetória de um homem que abandona um mundo de ajustamento e limpeza para voltar à terra de seus pais: o país da dissolução, das pessoas sujas e das relações aparentemente impuras.
Assim como em seus trabalhos anteriores ("Aberração", "Onze", "Bêbados e Sonâmbulos"), o simples resumo da história contada é uma imprecisão. Há ainda uma imensa preocupação com a forma e a particular leitura da realidade.
"Eu escrevo constantemente, mas o que está na origem desse livro é um fato: o caso do Unabomber, quando seu irmão o denunciou para as autoridades norte-americanas. Pensei no drama de consciência dele, nesse curioso fato de alguém entregar o próprio irmão", fala Carvalho.
Mas "Teatro" não faz desse fato um enredo. Não é essa a história que acompanhamos. Ela é apenas um dado para que se possa seguir as sensações de um homem em fuga, sua tentativa de se afastar de uma obsessão: a própria idéia da perseguição. Ecos de um dos mais caros autores para Carvalho. O austríaco Thomas Bernhard.
"Espero que não pareça um pastiche da obra de Bernhard, pois não era esse o desejo. Acho o trabalho dele uma coisa maravilhosa, pois usa a forma clássica de narrar e faz dela algo totalmente inovador."
Carvalho diz ainda que não se trata exatamente de uma influência. A melhor palavra a ser usada talvez fosse libertação.
"O monólogo serve para mostrar o processo mental. A maneira como os pensamentos se sobrepõem, são descontínuos. Quando li os textos de Bernhard, foi uma descoberta e também uma liberdade. Se há realmente uma influência, não se trata apenas de se aproximar da forma usada por ele, mas de reconhecer nele tudo o que pode ser feito. Da maneira que quero e procuro fazer."
E ainda um dado. "Teatro" não está apenas na voz de um. Expande-se em direção à experiência de vários. Tanto da dos personagens quanto da dos leitores. O lugar onde acontece o romance parece nenhum, e o tempo, um futuro provável.
Essa é a impressão. Ao menos a inicial. Rapidamente passa a ser reconhecível uma realidade mais próxima. Um cotidiano comum.
Enfim, a vida de todos os dias em um momento histórico de modelos únicos: comportamentais, econômicos e sociais.
"Sei que há essa leitura. Mas é meu personagem que fala, e não eu. Não sou eu que estou discursando. Se pudermos falar de engajamento, ele está na tentativa de evidenciar o quanto há de ilógico no discurso aparentemente lógico. E também o contrário. Mostrar de que maneira tudo se mistura."
Carvalho se prepara agora para representar o Brasil, ao lado de outros escritores, na já controversa participação nacional no 18º Salão do Livro de Paris, que acontece a partir do próximo dia 20. Para parte da crítica brasileira, os autores convidados não seriam "representativos".
"Eu me sinto solitário, sem identificação com os outros escritores que estarão lá. Isso não tem nada a ver com qualidade. Toda minha adolescência e meu início, escrevi contra uma idéia de cultura brasileira. É interessante mostrar que minha literatura é também brasileira -não do Brasil exótico."
Bernardo prossegue, e fala agora sobre o que identifica como uma mudança: "Eu mudei. Comecei a me identificar mais com o país e percebi que minha rejeição inicial era resultado de minha ignorância, de um olhar preconceituoso. Percebo agora que muito do que eu procurava esteve sempre aqui. Percebo que minha maneira de pensar e ver está ligada ao fato de ter nascido aqui. Faço uma literatura brasileira".



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