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FERNANDO BONASSI
Lugarzinho pequeno
É um lugarzinho de nada. Insignificante mesmo. Coisa
pouca. Quando você vê, é melhor
esquecer. É um lugar tão pequeno, mas tão pequeno, que nunca
pareceu assemelhar nem sequer
ao mais improvável de fazer alguma coisa.
Não que haja muito o que fazer
por ali. As placas das fábricas, por
exemplo, enferrujam de não ter
necessidade. O que os hospitais
precisam é de um sangue que
pouca gente pode dar em solidariedade. Portanto vende. Cada
um vende o que pode; cada um dá
o que tem, não é mesmo? De graça é muito pouco. De forma que
as escolas de economia estão em
fraturas e caindo aos pedaços,
sem que a mínima prosperidade
mal exigida seja conseguida (ou
consentida). Como desde sempre
naquele lugar pequeno os ricos ficam mais ricos e os pobres mais
pobres, achou-se por bem culpar a
história. E quem pensam que são
aqueles cidadãozinhos caipiras
para fazer uma Revolução Francesa qualquer?!
Até parece poesia, mas não é. É
piada! Pois, se os escritores e os
historiadores daquilo tudo usam
fardas e marcam hora pra tomar
chazinho!
As praças envelheceram sem
restauro, como os postes apagados, os cachorros venenosos e os
mendigos sarnentos. Naquele lugar mínimo, tudo passa. Mesmo o
que é mesquinho e até o cheiro de
carniça que irrita as narinas...
Aquele lugar pequeno fica assim,
modestamente olhando seu passado, rabo entre as pernas.
Pode-se dizer à boca pequena
que os caixas eletrônicos ficaram
mais modernos com o mercado financeiro, ainda que uns permaneçam atacados pelos mesmos
vândalos medievais e o outro seja
tão atraente que pareça um pecado de capitais.
Naquele lugar miserável, as
poucas indústrias que prosperam
são as do vidro blindado e dos
caixões de defunto. Um negócio
que sempre "tem saída", como se
apregoa nos cartórios de falências.
Em tal lugar pequeno o jogo ilegal não é legalizado. Nem é necessário: a realidade jurídica fornece
todos os aspectos lúdicos insuficientes à diversão dos mais espertos.
Lá, onde as idéias são minúsculas, o arrocho é o critério. Têm a
sua lógica as autoridades responsáveis pelo achatamento: o que é
esmagado não precisa de recursos. Um morto gasta menos que
um vivo! Não precisamos ter estudado com dinheiro público em
Chicago para entender esta matemática cartesiana: é assim que se
consegue um desempenho menos
desfavorável aos credores nos superávits primitivos, oras!
Quanto à elitezinha daquele lugar de nada, todo mundo quer viver de renda, de forma que as casas estão compradas, mas ninguém pode alugá-las! Não têm
muito mais dinheiro para jogar
fora! Como os desgraçados do lugar pequeno empregam muito
mal o seu ódio, matam-se em primeiro lugar, até que espirre sangue azedo na parede imaculada
dos condomínios fechados. Aí sim
é que dá briga e notícia no telejornal!
Aliás, uma televisão daquele tamaninho trata de dar os exemplos mais mesquinhos, adequados ao mínimo interesse e risco
que a população inspira aos "experts" em comunicação.
Todos ficam presos à falta de
opção, pois o que é pequeno não
deve variar. Especialmente o lucro, que o perigo da inclusão é que
os já incluídos temem onde ela
pode acabar tirando seu conforto.
Quanto aos que compram imóveis na planta naquele lugar pequeno, alguns grandes empreendedores podem deixá-los plantados ao relento. Quem se importa
que morram de fome agarrados
às chaves de suas portas arrombadas entre preces e invasões?
Num lugar pequeno como aquele,
o tempo para se preocupar com o
que quer que seja é mínimo. Não
é que todos tenham mais o que fazer, como eu disse. É mais que
não fazem nada juntos. Ou separados.
A segurança de que dispõem é
contratada ao inimigo.
Para dar mais exemplos quanto
a isso, as polícias competem entre
si violentamente pela bandidagem, assegurando a moralidade e
o bom exercício da concorrência.
Pelos fundos monetários esse tipo
de ética é muito apreciado. Assim,
naquele lugar pequeno, fica-se como está para ver se vira de outro
jeito. É uma falta de raciociniozinho adequada ao tamanho de
quem o tem.
Quanto à fé, por incrível que pareça, se apresenta em grande
quantidade! É preciso acreditar
em alguma coisa, e coisas desse tipo não faltam aos desesperados.
Não que não se pense no futuro
mais terreno. Se pensa. Um pouco. Problema é que os terrenos estão grilados em processos intermináveis. Quanto ao futuro, já
que ele parece uma droga, a juventude desempregada prefere
tomar a sua parte agora, direto
na veia, dividindo a seringa das
suas loucuras e doenças sexualmente transmissíveis. Há bom comércio de remédios para o espanto. O governo os fornece a quem o
pode comprar, reelegendo-se com
programas dessa ordem. É um lugarzinho pequeno, que está diminuindo de exaustão e deve morrer com as esperanças frustradas
dos vivos que insistirem. A índole
das pessoas é a melhor possível
nas circunstâncias...
Veja bem: aquele lugarzinho
mínimo não fez a escolha desse
crescimento todo, que parece estarmos fazendo em alguma parte
nesse momento...
O lugarzinho de que estou falando é pequeno mesmo. Mínimo. Nem sei por que eu fico escrevendo isso... essas coisas dão
azar... sai fora, miséria!
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